O RAP DA NOSSA INFÂNCIA (outros estilos)
O RAP DA NOSSA INFÂNCIA
Estes versos compu-los e interpretei-os, em ritmo e ginga de rapper,
num almoço dos “Borrachos dos anos Cinquenta”
– composto por cerca de 100 septuagenários, como eu,
que viviam em Moscavide e andavam na casa dos 20 anos,
na fabulosa década de cinquenta do século passado
Moscavide terra boa
Ricos tempos que nos deste
Tão pertinho de Lisboa
E tão parecida com o Far-west
Temos sempre na lembrança
(Oh tempos de fantasia !)
Nossos dias de criança
Cheios de cor e de esperança
Como em contos de magia
Nossa vida decorria
Em teus campos, tuas ruas
Sem ardis nem falcatruas
O futuro nos sorria
De manhã até à noite
Era à rolha e à macaca
Era de toda a maneira
Era o eixo e era ao bilas
E a primeira caganeira
Co’a rua desimpedida
Carros então não havia
Quando nos dava na tola
Até mesmo na avenida
A malta jogava à bola
Qualquer canto nos servia.
Bolas a malta não tinha
Mas isso não eram peias
E a solução vejam bem
Era ir pisgar à mãe
Duas ou três velhas meias
Bem batidas bem calcadas
Bem firmes e arredondadas
E atadas com um cordel
Vê se está boa, Manel
Ò Toino está uma pechincha
Já temos a nossa “xincha”
Vai lá chamar a “gaimila”
Que isto hoje é à má-fila.
Toca a mexer esses pés,
Vamos ver quem tem mais brio
Já sabem que o desafio
Muda aos cinco e acaba aos dez
Mas nem sempre a jogatana
Chegava ao fim, pois então
Quando aparecia o “sacana”
Do cabo António Romão
A xinxa ia de cana
Logo o jogo terminava
Sem se saber quem ganhava
E a malta toda cavava
Sem rumo nem direcção.
Suados e empoeirados
C’os sapatos sarrafados
Os joelhos esfolados
Ía-se a casa jantar.
Nossa mãe nos esperava
Com um sermão por inteiro:
Ò filho, como tardaste
Por onde é que tu andaste
Para vires num estado assim.
A estragares assim calçado
Não nos chega o ordenado
P’ra pagar ao sapateiro
Bem pode chover pilim.
P’ra evitar tais raspanetes
A malta que era magana
Só voltava ao lusco-fusco
Limpava as botas com cuspo
Ou com cascas de banana
Assim já mais disfarçadas
Até pareciam engraxadas
Mas a mãe nunca se engana
Alguns mais velhos já fumam
Outros querem experimentar
Fuma lá barba de milho
Que é boa pra começar
São só mais umas fumaças
Isto é mau como o caraças
Já estou quase a vomitar
Isto não foi grande ideia
Olha ali vem o teu pai
Que te dá uma tareia
Vamos pôr-nos a cavar.
Quando de casa saía
A malta nunca sabia
Aonde é que ia parar
Ficar nas ruas podia,
Ir p’ràs quintas vadiar,
E em certas ocasiões
Nessas nossas excursões
“Caveiras” e “Linguerões”
Vinham-se à malta juntar.
Isso em dias de excepção
Porque a regra mais usada
E que mais vezes se via
Era andarmos à porrada
E pedrada que fervia.
Quando o calor do estio
Nos abrasa e nos esgota
Vai-se chafurdar no rio
Ou vai-se ao tanque do Pio,
A malta toda em pelota.
(De tudo se faz chacota)
Sempre metida sarilhos
Eh pá, já estou chateado
Isto está uma desbunda
Vamos jogar matraquilhos
Para o pátio do Salgado
Ou então prá cova-funda
A malta nunca parava
Era tudo reinação
Se não havia inventava
Coisas que a ninguém lembrava
E às vezes tudo acabava
Numa grande confusão
Se lhe dava na veneta
Havia um grande entretém:
Tocava-se uma punheta
(não julguem que isto é treta)
Que nos sabia tão bem.
Se a coisa ficava preta
E algum “geada” aparecia
Então a malta fugia
Para acabar a função
Num canto mais recatado
Que os havia em qualquer lado
No Moscavide de então
Muitas vezes p’rò Taludo
Porque ali valia tudo
Nas horas de aflição.
Depois vinham as apostas
Vê lá esta se tu gostas
A minha é maior que a tua
Vai cantar prà tua rua
E deixa de baboseiras
Tu tens é muitas peneiras
Numa coisa venço eu
Eu aposto que o meu cuspo
Chega mais longe que o teu
Olha bem este pexote
Julgas que me dás o bote
Eu farroncas não aturo
E a meças nunca falto
Vamos mijar contra o muro
E ver quem mija mais alto
Deixa-te mas é de fintas
Tu nem sequer ainda “pintas”
Nem isso ainda te cresce
Isso é o que te parece
Não me venhas cá com ditos
Qu`ìnda levas três “celitros
Veremos o que acontece
O ATLÉTICO era então
O clube da afeição
Da gentinha cá da terra
E quando jogos havia
A malta toda lá ia
P’la nossa equipa torcia
Aquilo é que era uma guerra
“O Moscavide a ganhar
Ó sôr árbitro, tá da hora
Acaba esta merda agora
Toca mas é a apitar!”
Outro entretenimento
De grande divertimento
Era o FAMILIAR
Quando chegava o Entrudo
Era lá que sobretudo
A malta ia reinar.
Do cinema nem se fala
Lá no velho barracão
Em filmes de batatada
Ficava a casa esgotada
Co'a ruidoso maralhal
Que todo o tempo gritava
Enquanto a fita corria
Protestava ou aplaudia
Até à cena final
Quando o “rapaz” vencia
O seu malvado rival
E ao longe desaparecia
Montado no seu “caval”.
Quando um circo aparecia
Todo o mundo lá caía
E a malta não possuía
Dinheiro, mas não importa
Se não se entrava pela porta
Sempre se abria uma fenda
Em qualquer taipal da tenda
E assobiando p’ró ar
O coração a saltar
De cagúnfia e emoção
Nas tábuas se ia se sentar
No meio da multidão.
Aquilo é que era gozar
Com os palhaços no chão
Com os trapezistas no ar!
Que inocentes eu diria
Nossas maldades de então
Nesse tempo não havia
Só mais tarde surgiria
A radiotelevisão
Por isso sem mais aquelas
Não tinham aqueles manguelas
Outra qualquer diversão
Sua vida eram novelas
As estórias eram suas
Nelas punham todo o afã
Só que as viviam na rua
Em vez de ser no ecrã.
Ingénuas e divertidas
Eram as nossas partidas
Era a idade, era normal
Uns quantos vidros quebrados
Uns frutos surripiados
Nos fundos de um quintal
Umas moças bisnagadas
E uma quantas apalpadas
Em dias de Carnaval
Eram os nossos pecados
Que ninguém levava a mal
Oh que tempos tão saudosos
Que momentos tão ditosos
Dias cheios como um ovo
Vividos com tal ganância
Os dias da nossa infância
Quem os dera cá de novo
Oh que tempos tão saudosos
Que momentos tão ditosos
Dias cheios como um ovo
Vividos com tal ganância
Os dias da nossa infância
Quem os dera cá de novo
Vividos com tal ganância
Os dias da nossa infância
Quem os dera cá de novo
Quem os dera cá de novo
Quem os dera cá de novo
Quem os dera cá de novo
Os dias da nossa infância!
Ya, meus, tá-se bem!!!
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Restaurante Safari, Moscavide
12-4-2003
Xinxa = bola; gaimila =malta, grupo de amigos
Ressalvo o epíteto de “sacana” atribuído ao cabo Romão. Era severo e nós, putos, não gostávamos, e temíamo-lo, mas era um bom homem, digno do maior respeito
“Caveiras” e “Lingueirões” era assim que se chamava à malta dos Olivais e da Rua Nova, respectivamente. Os primeiros por morarem perto do cemitério de São Cornélio e os segundos por residirem junto ao Tejo, onde na altura havia imensos bivalves, entre os quais os gostosíssimos lingueirões ou canivetes
“Taludo”: Corruptela de “talude”. Era de facto um talude arborizado, onde , numa altura em que ainda não havia jardim, se brincava, se namorava, se subia às ´
“Celitros”: Deturpação da palavra decilitros.. Era uma provocação que consistia em molhar três dedos com cuspo e esfregá-los na cara do adversário, esperando a sua reacção.