NA HORA DA DESPEDIDA
Este versos, fi-los no verão de 1966. para recitar num almoço de despedida de um velho companheiro de trabalho em que participaram várias dezenas de colegas.
O “manholas” só dois anos depois haveria de cair da cadeira. Vivia-se, pois, em plena ditadura Salazarista.
E no entanto, contra tudo e contra todos, existia um clima de solidariedade e de entreajuda de que hoje não se pode ter ideia. Quando fui preso em 1959, minha mulher, desde que entrava no comboio, em Moscavide e descia em
-Estes versinhos, simples, aparentemente ingénuos, demonstram bem como apesar da repressão, de forma velada (ou nem tanto) se encontrava maneira de expressar a solidariedade que nos unia, criticando ao mesmo tempo o sistema que nos explorava.
Solidariedade. Alguém se lembra ainda do sentido desta palavra? Hoje, só me ocorrem, com incontida raiva, aliás, palavras e expressões como: carreirismo, egoísmo, oportunismo, ganância, ostentação, petulância salve-se quem puder e - a mais abominável de todas: delação.
Mas, se calhar, sou eu que ando a ver mal, ou estou muito amargo. Deve ser isso.
NA HORA DA DESPEDIDA
(No almoço da despedida de um colega,
em jeito de fado de Coimbra)
Na hora da despedida
Chorai, guitarras, chorai...
Triste o momento da vida
Em que um amigo se vai.
Quem parte, leva saudades
Quem fica, saudades tem...
Há tanta gente que parte
Sem deixar pena a ninguém!...
Não é o teu caso, Amigo!
Ao afastares-te de nós,
Nosso adeus para contigo
Leva soluços na voz.
Vais-te embora, camarada,
Mas levas toda a afeição
Duma amizade temperada
Na luta p’lo ganha-pão.
Longos anos de canseira
Mourejaste a nosso lado;
Subiste a mesma ladeira,
Partilhaste o mesmo fado.
Trilhaste o mesmo caminho,
Serviste o mesmo patrão,
Bebeste do mesmo vinho,
Comeste do mesmo pão
Pão que nem sempre foi alvo,
Pão difícil de roer...
É preciso ter bom dente
Para certo pão comer
Deste o melhor dos teus anos
De esforço e dedicação...
Não vês aqui os teus amos,
Mas... os amigos cá estão.
Quem, por se achar “bem coberto”
De amizades não cuidar,
Pode estar ciente e certo
De sòzinho ao fim chegar.
Tu, amigo, não estás só .
Estarás sempre acompanhado.
P’la tua boa amizade
Te digo: muito obrigado !
Triste o momento da vida
Em que um amigo se vai !
Na hora da despedida,
Chorai, guitarras, chorai ...
19 de Junho de 1966