ESCRITOS OUTONAIS

1.29.2007

BEM-VINDA

Foto baixada do Google, data venia


BEM-VINDA
(para a Benvinda)


Por escusos caminhos, fé perdida,
A minha pobre mente vagueava
E doidamente, em ânsias, procurava
Uma razão qualquer de amar a vida


Qual náufrago em vaga embravecida,
Ao sabor da corrente esbracejava
E quando já de todo soçobrava,
Chegaste... E foste a praia apetecida


E em prazer minha dor foi transformada
Só porque te encontrei, de madrugada,
Tal como te sonhei, esbelta e linda !


E agora a minha vida é uma canção
Em que eu digo, de alma e coração:
Benvinda és, mulher, e sê bem-vinda

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Poema de 1952

1.23.2007

EM BUSCA DE MIM


Mesmo descontando a "dor" literária,
Os tempos de juventude,
ao contrário do que se possa pensar,
são por vezes,
bem angustiantes e dolorosos.
No meu tempo, pelo menos, eram.
Julgo que hoje,
só a maneira de o dizer será diferente

* * *

EM BUSCA DE MIM
(Abyssus abyssum vocat)


O meu Eu, deixei-o abandonado
P’los caminhos da Dor e da Ilusão.
Sou um cego, sem guia nem bordão...
Um farrapo aos ventos atirado.

Todos os sonhos bons que hei sonhado
Queimaram-se na chama da Paixão...
E onde havia, outrora, um coração
Há um abismo sem fundo de pecado.

Entre o que fui e o que sou, a cada instante,
Há em mim uma luta fatigante
Que a minha alma gasta não suporta...

Na ânsia de encontrar-ME (vão intento!),
Meus dias vou gastando, num tormento,
A procurar por MIM, de porta em porta!...


17-1-1952

1.15.2007

OS "BEIJINHOS" DO GUMERCINDO








A história que vou contar passou-se algures lá para Trás-do-Sol- Posto, como quem vai a caminho do Cu-de-Judas, e já quase, quase a chegar a Casa-do-Diabo-Mais-Velho. Já vêem, pois, que apesar de ser numa terra do nosso luso rectângulo, dificilmente lá chegariam, pelo que não vale a pena, sequer, procurá-la.


* * *
Gumercindo Fagote herdou a farmácia de seu pai, tal como este a herdara de seu avô. Desde pequeno a sua paixão era manipular toda a série de produtos armazenados na cave da loja, onde se entretinha a misturar essências, decantar perfumes, dosear pomadas, inventar unguentos, esmagar sementes exóticas em pequenos ou enormes almofarizes, encher e vazar microscópicos frascos ou provetas, aquecer retortas, enfim tudo o que se pode fazer num pequeno laboratório apetrechado com tudo o que os Fagotes vinham juntando há perto de duzentos anos e que não era tão pouco como isso.

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Quando o pai, Jeremias Fagote, partiu desta para melhor – é o que habitualmente se diz de quem bate as botas, não sei se é assim pois nunca ninguém voltou cá para contar – e ele se tornou proprietário e único responsável do vetusto estabelecimento familiar, ele sentiu-se como dono e senhor de todos os segredos da alquimia e, com eles, capaz de todas as proezas no campo da farmacopeia e actividades afins.
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A partir de então, como a clientela não era muita, excepto ao fim da tarde quando as pessoas, regressando dos seus trabalhos, encontravam algum tempo para passarem pela farmácia afim de aviarem as suas receitas ou, na maior parte das vezes para comprarem uma qualquer mèsinha que o próprio boticário lhes recomendava, Gumercindo Fagote passava horas esquecidas encafuado na cave a fazer as suas experiências, sendo necessário chamá-lo repetidas vezes até que se dignasse aparecer, limpando as mãos ao avental que sempre punha para execução de tais tarefas.
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Certo dia, o vetusto balcão em sólida madeira de carvalho - que, beneficiado por sucessivas camadas de verniz marítimo e pelo esmero com que era tratado, conferia à loja um de ar magnificência, de dignidade até, que nada tinha a ver com o resto das desbotadas prateleiras e vitrinas - apareceu desprovido dos velhos e poeirentos frascos redondos que desde sempre ali tinham permanecido e em sua substituição, coberto por rimas de pequenas e vistosas caixas de cartão, amarelas, com o desenho de uma boca vermelha, de lábios vermelhos estendidos na representação convencional de um repenicado beijo; rodeando a boca, uma inscrição circular, em letras castanhas, onde se podia ler “Beijinhos-Fagote” e outras mais pequenas, a preto, recomendando “Chupe bejinhos-Fagote” e saberá a que sabem os beijos de amor”. Dentro de cada caixa, vinte rebuçados embrulhados individualmente em papel colorido, onde sobre um fundo amarelo, se destacava o igualmente o desenho da boca vermelha e os mesmo dizeres do exterior da caixas.
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Só que esses rebuçados, em vez de lisos como é de uso, reproduziam, em caramelo, a forma dos tradicionais “beijinhos” de confeitaria que todos tão bem conhecemos e com os quais, todos nós, em garotos, certamente uma vez ou outra nos empanturrámos. Só que, enquanto tais confeitos são para mastigar, como todos sabem (quem é que nunca provou?), os “Beijinhos-Fagote”, como explicava o folheto dentro de cada caixa, eram para entalar entre os lábios estendidos em forma de beijo e sugá-los assim, em pequenos e demorados sorvos até de todo se derreterem.
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Não tendo feito qualquer publicidade aos seu novo produto, pois não lhe convinha fosse muito badalado um produto que alegadamente sabia a beijos de amor, mormente numa vilória de província de costumes recatados como era aquela, o monte de caixas permaneceu durante vários dias intocado, em cima do balcão. Certa tarde, porém, aproveitando presença de três moças estudantes liceais no colégio da sede do concelho, que regressavam a casa após as aulas, e juntas, entraram na farmácia para comprarem alguns rebuçados, lembrou-se o Fagote de, como primeiro e reservado acto publicitário, lhes oferecer uma embalagem dos ditos beijinhos para dividirem entre si.
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Mal saíram a porta, as cachopas, espevitadas pela publicidade, inscrita na caixa, apressaram-se a abri-la e a provarem cada uma delas um dos prometedores rebuçados em forma de beijo, entalando-o entre os lábios e sugando-o, lentamente, até ao fim, conforme rezava o folheto. E então não é que, fosse por sugestão, fosse por força da fórmula tão longamente estudada pelo Gumercindo, as moças começaram a ficar com os olhos em alvo, um súbito e inexplicável rubor a invadir-lhes as faces, as pernas a tremerem e uma sensação de bem estar, como nunca tinham sentido. Logo ali reclamou cada uma delas a sua parte dos “beijinhos” e desataram a correr para suas casas, excitadíssimas mas assustadas, em parte, pela novidade de um sentimento que nunca tinham experimentado nem sabiam como com ele lidar.

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No dia seguinte, no colégio, por entre cochichos e segredinhos, deram a provar os “beijinhos” a duas ou três colegas mais intimas que, de imediato, sentiram as mesmas estranhas emoções e de tal modo se ruborizaram, que a professora lhes perguntou o que é que tinham, se estavam com febre – o que elas nervosas e um pouco atabalhoadamente negaram, escusando-se com a desculpa de que devia ser de terem andado a correr e jogar ao ring e à cabra-cega no pátio do recreio.

Passados dois ou três dias, não havia moça no colégio que não estivesse a par do sortilégio dos “Beijinhos Fagote”. E no fim de semana, o criador da mágica fórmula assistia, enlevado, ao espectáculo, nunca por ele sonhado, nem pelos Fagotes seus ancestrais, de ver a loja cheia de uma clientela de gente nova e ruidosa, que fazia desaparecer, umas após outras, as mágicas embalagens da sua bendita invenção.

Não tardou muito que todas as moças da vila aparecessem a procurar “os tais rebuçados”, como lhes chamavam, meio envergonhadas, sem coragem para pronunciar a palavra “beijinhos”; e depois das moças vieram as mães, e a seguir vieram os rapazes e finalmente até os pais, começaram a aparecer, primeiro timidamente e depois às escâncaras - que os homens também gostam de beijinhos, claro. E quem não gosta? Isto até é bom para as moças, diziam, enquanto chupam estes beijinhos não procuram outros. Desculpas!

E a vila inteira passou a viver na santa paz do Senhor, num clima de felicidade, de beatitude, nunca vistas nem sonhadas. Acabaram as antigas quezílias por causa da partilha da água das regas, os proprietários passaram a ser menos exigentes na cobranças das rendas, os jornaleiros a cavar as leiras com mais afinco, os empregaditos de balcão a ser mais amáveis com os clientes, os dos recados a ser mais lestos na distribuição das compras, os maridos a resmungar menos com o atraso da janta ou com grau de cozedura das batatas… enfim uma harmonia que só visto.

Em poucas semanas a fama dos “beijinhos fagote” tinha-se espalhado a todas as freguesias do Concelho e não tardou a chegar a outros mais afastados e a outros mais afastados ainda, até alcançar todos os cantos do distrito e em breve toda a província.

As embalagens de cartão dos beijinhos fagote, bem como os papelinhos que embrulhavam cada um deles, começaram a aparecer por tudo quanto era sítio, nas mais remotas povoações e locais, especialmente nas retretes e pátios de recreio das escolas. Com o consabido e edificante hábito dos portugas de deitarem para o chão toda a espécie de porcarias, eles apareciam mesmo ao longo das ruas, nos corredores dos edifícios públicos e até no campo, debaixo das oliveiras e figueiras, locais que nos meios campesinos servem frequentemente de cagadouros, sendo portanto um sítio ideal para, enquanto o organismo se espreme, se ir regalando a alma com um com um ou mais dos deliciosos rebuçados, conforme a duração e o nível da função.

Assim sendo, não é de espantar que as encomendas começassem a chover de todos os lados. E tanto, que o bom do Gumercindo, rompendo com a antiga tradição de todo o serviço ser assegurado exclusivamente por membros da família, viu-se obrigado a pôr um anúncio no jornal concelhio para contratação de um ajudante com alguma experiência de farmácia.

Passados dois ou três dias, apareceu-lhe um candidato disposto a ocupar o lugar a que o anúncio se referia. Era um tipo de fraca figura, desengonçado, cabelo espetado que nem um chuço, cara de fuinha, com uma verruga plantada bem na ponta do nariz… um cromo, numa palavra. Vinha de um concelho afastado e disse chamar-se Gregório Perpétuo. O ordenado que pediu era bastante moderado, pelo que o Gumercindo não hesitou em contratá-lo sem mais delongas, tendo entrado de imediato ao serviço. E porque vinha de longe, autorizado a pernoitar na cave do estabelecimento, onde foi colocada uma velha cama de ferro trazida do andar de cima, onde residia o Gumercindo e desde sempre, morou a família Fagote.

Sempre que o Gumercindo se afastava, às vezes por mais de um dia, para fazer as suas entregas de “beijinhos” e estabelecer contactos com vista a novas encomendas, era o Perpétuo, obviamente, que se ocupava dos vendas ao balcão. De cada vez, porém, que a clientela amainava, sobretudo no verão, nas horas da canícula, em que ninguém se atrevia a enfrentar os rigores do estio, corria a encafuar-se no laboratório onde, também ele, começou a entregar-se a toda a espécie de manipulações e experiências de sua lavra e inteiro alvedrio. Aprendeu rápido a fórmula e a forma de confeccionar os “beijinhos” e não tardou muito que o seu fabrico ficasse exclusivamente nas suas mãos, resultando o produto tão bom, talvez até melhor, diziam as clientes do que o seu inventor.

Uma vez que só tinha direito a dormida e o salário era a seco, o Perpétuo tomava as suas refeições num tasco perto da farmácia e ali se foi relacionando com os habitantes da vila, que se foram acostumando à sua presença e à sua insólita figura, só estranhando vê-lo passear de noite, sozinho, qual alma penada, parecendo surgir de noite a uma esquina, para logo desaparecer noutra e desvanecer-se na penumbra de um qualquer quintal ou cortelho.

Uma pormenor que a ninguém passava despercebido, tal era a coisa, é que aquele fuinha, fraca figura e mal encarado, dotara-o natureza de uma ferramenta de fazer meninos, que mesmo em repouso, dava nas vistas de qualquer pessoa que não fosse cega ou distraída. Quem primeiro deu por isso foram as moças que ficavam muito ruborizadas e baixavam os olhos sempre que estes, por acaso, meramente por acaso (façamos-lhe a justiça de acreditar) pousavam no volume que o rapaz - que não tinha culpa nenhuma de que elas olhassem para onde não deviam – ostentava entre as pernas, de um dos lados das calças , quase que lhe esgarçando o lustroso cotim. Depois foram as casadas e até os homens, à socapa, não conseguiam deixar de olhar, roídos de inveja, diga-se, com a magnitude do dito cujo do rapaz.

Já o novo ajudante da farmácia estava na vila ia para três anos e o negócio caminhava de vento em popa, quando uma coisa estranha começou a ser notada. Hoje uma, amanhã outra, várias moças solteiras, a quem não se conhecia namorado, começaram a aparecer irremediavelmente prenhas – o que, em boa verdade, não deveria causar assim tanto espanto, naquele tempo e naquelas paragens, onde a caminho da fonte ou ao levar o almoço ao pai que trabalhava longe, acidentes de percurso como estes aconteciam com relativa frequência. As campainhas de alarme, porém soaram mais alto, quando a seguir às moças começaram a aparecer várias casadas de barriga empinada, numa percentagem tal que dava que fazer à comprida língua das comadres que, à tarde, pela fresca, se juntavam a bordar ou a fazer meia num banco da pracinha.

Foi, contudo, um alvoroço de pouca dura. As moças, olha, são coisas que acontecem, não mandasses a rapariga à fonte e as casadas então homem não te lembras daquela vez que vinhas c’os calores, que eu até nem queria… O pior foi quando, passado o período da gestação, as crianças começarem a nascer e todas se parecerem estranhamente uma com as outras, com alguns pormenores muito idênticos, entre os quais sobressaíam uma verruguinha na ponta do nariz, o cabelo espetado e o ar fuinha do rosto.

Aí é que foram elas! Todos à uma se lembraram do Perpétuo. O alarme soou. A notícia da suspeita começou a espalhar-se pelas terras vizinhas, onde pouco a pouco começaram a nascer bebés com idênticos sinais. As suspeitas ténues a princípio, foram crescendo como lava de um vulcão; por todo o lado se murmurava em surdina, até que um dia, como movidos por uma mola, os habitantes armados de caçadeiras e chuços e cassetes, se dirigiram à farmácia, dispostos a pegarem o Perpétuo.

Era cedo ainda e a loja ainda não tinha aberto. A multidão começou às cacetadas à porta, clamando em coro abre a porta desgraçado! O Fagote, que habitava no piso superior e como patrão, agora próspero, gozava do privilégio de se levantar mais tarde, estremunhado e ainda em ceroulas surge à janela a inquirir o que passava. Foi recebido por uma vaia de impropérios. Queremos o Perpétuo, onde está esse piçalhudo de merda, esse tromba de elefante, que o arrebentamos!

Desceu o Fagote, atarantado. procurou o empregado, julgando ir encontrá-lo escondido no cubículo do fundo da loja, onde dormia. Mas de Perpétuo nem rasto. Muito provavelmente alguma das suas apaixonadas o teria avisado. A multidão enfurecida entrou na farmácia e enquanto encontrou uma prateleira, um frasco, uma vitrina, um tubo de ensaio, uma retorta, um almofariz, um gomil, inteiros, as mocas e os chuços não descansaram. A Farmácia Fagote, orgulho dos Fagotes durante várias gerações, estava reduzida a escombros, escapando o Gumercindo de sob eles ficar enterrado, unicamente porque tinha um espírito de conservação muito apurado e uma insuspeitada ligeireza de pés que lhe permitiu dar às-de-vila-diogo, tão cedo se apercebeu de que, por entre os insultos ao Perpétuo se misturavam vozes a amaldiçoar os seus queridos “beijinhos Fagote”.

Passados dias, uma vez que o clamor se mantinha e se avolumava a suspeita de que a culpa era toda dos cabrões dos tais “beijinhos”, o Gumercindo, solicitou às autoridades - que já tinham em mão as averiguações sobre os incidentes que levaram à destruição do estabelecimento - que mandassem proceder a uma análise laboratorial dos seus rebuçados para provar que os mesmos, além do efeito sensorial que provocavam não, podiam induzir ninguém a fornicar com quem quer que fosse e muito menos com uma figura tão estrambólica como o seu ajudante de Farmácia.

Após várias semanas de apurados estudos, vieram os resultados:
A composição inicial dos “beijinhos Fagote” de que o Gumercindo tinha a fórmula, fora modificada, por artes que a ciência não sabia explicar, por uma outra, em que além do inocente deleite sensorial que os clientes juravam ser equivalente ao de um beijo apaixonado, induzia quem quer que os chupasse a ser sexualmente atraído por uma determinada pessoa que, no caso concreto, era o autor da contrafacção, o tal Gregório Perpétuo. Imediatamente foi emitida uma ordem de prisão contra tal indivíduo, mas até hoje nunca mais foi visto nem achado, nem sequer o seu nome figura no cadastro de qualquer conservatória de registo civil.

Dizem as pessoas da terra que, com um ferramental daqueles, só poderia ser o próprio belzebu em pessoa - o qual, como todos sabem, se tem entretido ao longo dos séculos a congeminar os mais estranhos sarilhos, levando donzelas e casadas a fio de espada sob os mais diferentes disfarces e manhas.

* * *
O Gumercindo Fagote, ainda reabriu a farmácia. Mas, proibido de comercializar os seus famigerados “beijinhos” e com a população ressabiada contra ele (embora secretamente o lamentassem), em breve se viu forçado a encerrá-la . Encarcerou-se em casa, de onde nunca mais voltou a sair, chupando ele próprio os seus afrodisiacos rebuçados, nos quais se foi progressivamente viciando, a ponto de fazer deles o seu único alimento. Aos poucos se foi apaixonando por si mesmo, exaurindo-se em constantes delíquios e suspiros de amor que se ouviam na rua e muito excitavam, em noites de lua cheia, as donzelas do burgo.

Acabou por morrer tísico - que era, na época, uma forma muito romântica de morrer e que constituía uma autêntica razia de corações enamorados.
Morte bonita a do Gumercindo Fagote!

* * *

Tudo isto aconteceu, como comecei por dizer, muito longe e há muitos anos. Consta-me, porém, que ultimamente, em vários locais dos mais diferentes pontos do país e até do estrangeiro, têm nascido crianças de rosto fuinha, cabelo espetado como um chuço e uma verruga bem na pontinha do nariz, que em muito se assemelham aos nénés da história que acabei de vos contar.

Mal ficaria com a minha consciência se aqui, para os fins que forem tidos por convenientes, não deixasse esta informação:

Atenção, caras leitoras, o Perpétuo (tanto mais que perpétuo é) pode muito bem andar por aí.

1.09.2007

NO CORPO QUE ME ABRISTE ...


No corpo que me abriste, com amor,

Com amor lancei minha semente.

E a seiva germinou e se fez flor

E o verbo tomou forma e se fez gente

.

E quando sobre nós, lançando a dor

Nos separa o fascismo prepotente,

Tu não estavas só, pois em amor

Crescia a nossa filha no teu ventre

.

Recordo a tua imagem sorridente

Passando junto aos muros da prisão

(Por trás a velha Sé, o Tejo em frente)

.

E eu, preso à doçura da visão,

Bebendo no teu riso transparente

O orgulho que te enchia o coração


1.03.2007

AMAR-TE É COMO...


Amar-te é como ir pela manhã

A uma roseira em flor

e recolher

A mais pura, a mais fresca,
a mais louçã

Das perfumadas rosas que tiver;

Ou como, a rir, morder uma romã

Ou a sonhar colher um malmequer ...


É como caminhar por uma estrada

novinha ... ainda por inaugurar

E desenhar os pés descalços na geada,

De leve, para não a macular.

E é prosseguir assim a caminhada

sem destino ... nem pressa de chegar ...


É, numa vinha, à hora do sol-pôr,

Espremer um cacho de uvas sazonado

E embriagar-me depois com o licor

Delicioso do vinho derramado

A chiar no barro cheio de frescor

Da taça esguia do teu corpo amado