8.23.2007

O RAP DA NOSSA INFÂNCIA (outros estilos)


O RAP DA NOSSA INFÂNCIA


Estes versos compu-los e interpretei-os, em ritmo e ginga de rapper,
num almoço dos “Borrachos dos anos Cinquenta”
– composto por cerca de 100 septuagenários, como eu,
que viviam em Moscavide e andavam na casa dos 20 anos,
na fabulosa década de cinquenta do século passado

Moscavide terra boa
Ricos tempos que nos deste
Tão pertinho de Lisboa
E tão parecida com o Far-west

Temos sempre na lembrança
(Oh tempos de fantasia !)
Nossos dias de criança
Cheios de cor e de esperança
Como em contos de magia
Nossa vida decorria
Em teus campos, tuas ruas
Sem ardis nem falcatruas
O futuro nos sorria
De manhã até à noite
Era à rolha e à macaca
Era de toda a maneira
Era o eixo e era ao bilas
E a primeira caganeira
Co’a rua desimpedida
Carros então não havia
Quando nos dava na tola
Até mesmo na avenida
A malta jogava à bola
Qualquer canto nos servia.

Bolas a malta não tinha
Mas isso não eram peias
E a solução vejam bem
Era ir pisgar à mãe
Duas ou três velhas meias
Bem batidas bem calcadas
Bem firmes e arredondadas
E atadas com um cordel
Vê se está boa, Manel
Ò Toino está uma pechincha
Já temos a nossa “xincha”
Vai lá chamar a “gaimila”
Que isto hoje é à má-fila.

Toca a mexer esses pés,
Vamos ver quem tem mais brio
Já sabem que o desafio
Muda aos cinco e acaba aos dez
Mas nem sempre a jogatana
Chegava ao fim, pois então
Quando aparecia o “sacana”
Do cabo António Romão
A xinxa ia de cana
Logo o jogo terminava
Sem se saber quem ganhava
E a malta toda cavava
Sem rumo nem direcção.
Suados e empoeirados
C’os sapatos sarrafados
Os joelhos esfolados
Ía-se a casa jantar.
Nossa mãe nos esperava
Com um sermão por inteiro:
Ò filho, como tardaste
Por onde é que tu andaste
Para vires num estado assim.
A estragares assim calçado
Não nos chega o ordenado
P’ra pagar ao sapateiro
Bem pode chover pilim.

P’ra evitar tais raspanetes
A malta que era magana
Só voltava ao lusco-fusco
Limpava as botas com cuspo
Ou com cascas de banana
Assim já mais disfarçadas
Até pareciam engraxadas
Mas a mãe nunca se engana

Alguns mais velhos já fumam
Outros querem experimentar
Fuma lá barba de milho
Que é boa pra começar
São só mais umas fumaças
Isto é mau como o caraças
Já estou quase a vomitar
Isto não foi grande ideia
Olha ali vem o teu pai
Que te dá uma tareia
Vamos pôr-nos a cavar.

Quando de casa saía
A malta nunca sabia
Aonde é que ia parar
Ficar nas ruas podia,
Ir p’ràs quintas vadiar,
E em certas ocasiões
Nessas nossas excursões
“Caveiras” e “Linguerões”
Vinham-se à malta juntar.
Isso em dias de excepção
Porque a regra mais usada
E que mais vezes se via
Era andarmos à porrada
E pedrada que fervia.

Quando o calor do estio
Nos abrasa e nos esgota
Vai-se chafurdar no rio
Ou vai-se ao tanque do Pio,
A malta toda em pelota.
(De tudo se faz chacota)
Sempre metida sarilhos
Eh pá, já estou chateado
Isto está uma desbunda
Vamos jogar matraquilhos
Para o pátio do Salgado
Ou então prá cova-funda

A malta nunca parava
Era tudo reinação
Se não havia inventava
Coisas que a ninguém lembrava
E às vezes tudo acabava
Numa grande confusão
Se lhe dava na veneta
Havia um grande entretém:
Tocava-se uma punheta
(não julguem que isto é treta)
Que nos sabia tão bem.
Se a coisa ficava preta
E algum “geada” aparecia
Então a malta fugia
Para acabar a função
Num canto mais recatado
Que os havia em qualquer lado
No Moscavide de então
Muitas vezes p’rò Taludo
Porque ali valia tudo
Nas horas de aflição.

Depois vinham as apostas
Vê lá esta se tu gostas
A minha é maior que a tua
Vai cantar prà tua rua
E deixa de baboseiras
Tu tens é muitas peneiras
Numa coisa venço eu
Eu aposto que o meu cuspo
Chega mais longe que o teu
Olha bem este pexote
Julgas que me dás o bote
Eu farroncas não aturo
E a meças nunca falto
Vamos mijar contra o muro
E ver quem mija mais alto
Deixa-te mas é de fintas
Tu nem sequer ainda “pintas”
Nem isso ainda te cresce
Isso é o que te parece
Não me venhas cá com ditos
Qu`ìnda levas três “celitros
Veremos o que acontece

O ATLÉTICO era então
O clube da afeição
Da gentinha cá da terra
E quando jogos havia
A malta toda lá ia
P’la nossa equipa torcia
Aquilo é que era uma guerra
“O Moscavide a ganhar
Ó sôr árbitro, tá da hora
Acaba esta merda agora
Toca mas é a apitar!”

Outro entretenimento
De grande divertimento
Era o FAMILIAR
Quando chegava o Entrudo
Era lá que sobretudo
A malta ia reinar.

Do cinema nem se fala
Lá no velho barracão
Em filmes de batatada
Ficava a casa esgotada
Co'a ruidoso maralhal
Que todo o tempo gritava
Enquanto a fita corria
Protestava ou aplaudia
Até à cena final
Quando o “rapaz” vencia
O seu malvado rival
E ao longe desaparecia
Montado no seu “caval”.

Quando um circo aparecia
Todo o mundo lá caía
E a malta não possuía
Dinheiro, mas não importa
Se não se entrava pela porta
Sempre se abria uma fenda
Em qualquer taipal da tenda
E assobiando p’ró ar
O coração a saltar
De cagúnfia e emoção
Nas tábuas se ia se sentar
No meio da multidão.
Aquilo é que era gozar
Com os palhaços no chão
Com os trapezistas no ar!

Que inocentes eu diria
Nossas maldades de então
Nesse tempo não havia
Só mais tarde surgiria
A radiotelevisão
Por isso sem mais aquelas
Não tinham aqueles manguelas
Outra qualquer diversão
Sua vida eram novelas
As estórias eram suas
Nelas punham todo o afã
Só que as viviam na rua
Em vez de ser no ecrã.

Ingénuas e divertidas
Eram as nossas partidas
Era a idade, era normal
Uns quantos vidros quebrados
Uns frutos surripiados
Nos fundos de um quintal
Umas moças bisnagadas
E uma quantas apalpadas
Em dias de Carnaval
Eram os nossos pecados
Que ninguém levava a mal
Oh que tempos tão saudosos
Que momentos tão ditosos
Dias cheios como um ovo
Vividos com tal ganância
Os dias da nossa infância
Quem os dera cá de novo
Oh que tempos tão saudosos
Que momentos tão ditosos
Dias cheios como um ovo
Vividos com tal ganância
Os dias da nossa infância
Quem os dera cá de novo
Vividos com tal ganância
Os dias da nossa infância
Quem os dera cá de novo
Quem os dera cá de novo
Quem os dera cá de novo

Quem os dera cá de novo
Os dias da nossa infância!

Ya, meus, tá-se bem!!!

______________________


Restaurante Safari, Moscavide
12-4-2003

NOTAS:

Xinxa = bola; gaimila =malta, grupo de amigos

Ressalvo o epíteto de “sacana” atribuído ao cabo Romão. Era severo e nós, putos, não gostávamos, e temíamo-lo, mas era um bom homem, digno do maior respeito

“Caveiras” e “Lingueirões” era assim que se chamava à malta dos Olivais e da Rua Nova, respectivamente. Os primeiros por morarem perto do cemitério de São Cornélio e os segundos por residirem junto ao Tejo, onde na altura havia imensos bivalves, entre os quais os gostosíssimos lingueirões ou canivetes

“Taludo”: Corruptela de “talude”. Era de facto um talude arborizado, onde , numa altura em que ainda não havia jardim, se brincava, se namorava, se subia às ´árvores, se lutava, se mediam forças físicas, onde os putos iniciavam, uns com os outros a aprendizagem da sua anatomia íntima e suas funções e posteriormente se construiu uma verbena e se faziam espectáculos e bailes e diurnos e nocturnos de arromba.

“Celitros”: Deturpação da palavra decilitros.. Era uma provocação que consistia em molhar três dedos com cuspo e esfregá-los na cara do adversário, esperando a sua reacção.

28 Comments:

Blogger Maria said...

António

Um rapper dos anos 50?
Este teu post é uma delícia.....

Beijinhos

24 agosto, 2007 00:41  
Blogger Paula Raposo said...

Estou a imaginar este rap!! Adorei ler-te. O meu pai também fumava barbas de milho. Eh eh eh! Muitos beijos para ti de tudo bom.

24 agosto, 2007 11:10  
Blogger Menina Marota said...

Ya, meu, tá-se bem!!!


"Oh que tempos tão saudosos
Que momentos tão ditosos
Dias cheios como um ovo
Vividos com tal ganância
Os dias da nossa infância
Quem os dera cá de novo
Oh que tempos tão saudosos"

Já imprimi este Rap, para o Joca, o meu rapaz, que adora este estilo... :-)))

Um abraço carinhoso e bom fim de semana ;)))

25 agosto, 2007 00:59  
Anonymous Anónimo said...

:) ó yéeeeeeeee.

25 agosto, 2007 02:32  
Blogger Bichodeconta said...

RAP NÃO SEI CANTAR... Mas isto António era muitos anos luz á frente amigo.. Gostei mesmo, e tenho pena de a minha arte de cantar não permita dar-me o luxo de trautear este rap á maneira..Parabéns..
PS:Juventude ponham os olhos nestes exemplos e em vez de andar a fazer outras coisas menos recomendáveis... Um abraço António... Gosto de o ler..

25 agosto, 2007 12:50  
Blogger Isamar said...

Est� engra�ad�ssimo este rap. Apesar de longo, li-o duas vezes.
A brincar tamb�m se verseja.
Beijinhos

25 agosto, 2007 18:54  
Anonymous Anónimo said...

eu e pedro lopes do site www.luso-poemas.net estamos a pensar fazer uma antologia 100 autores, 100 poemas pela ecopy. Neste projecto cada autor participa com 1 texto. O unico custo que terá é comprar 1 livro, ou seja terá o preço de 12 euros. é um livro que pode estar em qlq loja que qualquer autor arranje para além das muitas lojas onde está presente, pensei em o convidar, se quiser será um prazer:)
resposta: pedro_lopes777@hotmail.com

grande abraço

25 agosto, 2007 21:24  
Blogger Márcio Beckman said...

Cara, vc me surpreendeu agora atacando de reaper! ^^ Bacana!

26 agosto, 2007 16:04  
Blogger a d´almeida nunes said...

Anos 50?
Amigo A Melenas, olhe que a rapaziada dos anos 60, os que tinham mais ou menos os 20 anos, também têm recordações dessas.
Só tenho pena é de não ser capaz de escrever como o meu amigo consegue! E em verso!... É tal qual como a minha imaginação me dita dos meus tempos de puto, dos cowbois e dos índios, da primeira passa com um charuto partido em mil bocadinhos, umas ânsias e tonturas que parecia que íamos morrer!
Um grande abraço
António N

27 agosto, 2007 13:20  
Anonymous Anónimo said...

Caro Congénere António Melenas. Porin dicação de seu primo Asterisco Procurei e felizmente encontrei o seu extraordinário Rap. Que fôlego, que memóris, que estilo, que cabeça. Quando o Amigo é assim nos seus juvenis setentas, o que será quando me apanhar nos meus decrépitos XC.
Esta não é sigla tamanho de roupa, é de "comprimento" de vida. Vou continuar em busca das suas escritas
Já agora antes do abraço final: não consigo atinar com José ou Jorge Santos Será Jorge Santos Costa Arquitecto em Alcácer do Sal
Agor sim vai um abraço.
Atenpo vou procurar "enquanto e não"

27 agosto, 2007 16:47  
Blogger Eme said...

Olá meu querido amigo! regressada e ainda deslumbrada com o sítio onde acaba a terra e começa o mar ainda me venho deliciar com este fantástico rap.. ri-me imenso! Isto não foi censurado nessa altura? hehe, nem imagino..
Saudades e beijo grande!

27 agosto, 2007 21:47  
Blogger Isabel said...

António meu amigo será que tu tens ideia do quanto és especial?
Será que sabes que o que fazes poucos saberiam, poucos tentariam sequer fazer.
Oh António, querido amigo, só te faltava mesmo um Rap.
Adoro-te e a tua capacidade é tanta que me comove e me alegra ao mesmo tempo ver alguém com tamanho talento.
Tu, como eu amamos, respeitamos, aprendemos e crescemos com as nossas próprias histórias e com as que lemos ou ouvimos contar somos dois apreciadores de histórias e sabemos da sua importância.
As tuas histórias são especiais porque como tu só mesmo tu as contas... desta vez foi em Rap... maravilhoso!
Olha amigo como sabes em miúda e até aos 23 vivi no Bairro da Encarnação, voltei para lá uns anos mais tarde por cauda das voltas que a vida dá, agora já lá não vivo há muito tempo mas os meus pais continuam ainda a viver no mesmo sítio, por isso António diz-me só por curiosidade como chamavam os putos de Moscavide aos putos do Bairro da Encarnação?

Um beijo e um abraço cheio de carinho

Tua amiga Isabel

28 agosto, 2007 12:47  
Blogger sofialisboa said...

que mais posso eu dizer depois de todas as minhas palavras aqui deixadas, feliz infancia tiveste tu! adorei sofialisboa

28 agosto, 2007 14:26  
Blogger *Um Momento* said...

Meu Amigo
Por fazer parte dos mes melhores momentos virtuais , por tudo aquilo que aqui me oferece, entrego-lhe eu um certificado,( está lá na minha casinha ) agradecendo do coração tudo o que ate hoje me foi ofertado aqui , através das suas palavras, os seus sentires
O meu muito Obrigado
Um Abraço sentido... agradecido
(*)

28 agosto, 2007 15:36  
Blogger Manuel Veiga said...

abraço, meu caro António. a tua juventude é invejável.

(se tivesses os meus "bicos de papagaio", não te atreverias a um RAP)

28 agosto, 2007 21:18  
Blogger Kalinka said...

OLÁ QUERIDO ANTÓNIO
Ya, meu, parabéns!!!
Estou completamente «rappeada» com a tua música.

Ora bem, vou iniciar uma série de posts sobre o ALFABETO da minha Vida. Cada dia vou postar uma letra do abecedário, e direi o que achar sobre ela, podem ser coisas boas ou menos boas, são as que foram ou são importantes durante a minha vivência.
Hoje, em homenagem ao meu neto ANDRÉ - dia do seu 1º aniversário: Parabéns a você, nesta data querida, muitas Felicidades, muitos anos de vida...
começo precisamente pela 1ª letra do Alfabeto - a letra A.

Beijitos azuis (em homenagem ao meu neto)

29 agosto, 2007 13:55  
Blogger António Melenas said...

NOTA DO EDITOR:
Alguns dos comentários acima levam-me a supor que ficou a ideia de que estes versos tivessem sido feitos na década de 50.
Ora, Não é assim. Os versos referem-se a vivências dos anos 30 e 40, por jovens que andavam na casa dos 20 anos na década de 50, mas foram feitos em Abril de 2003 e apresentados em 12 de desse mesmo mês para cerca de uma centena desse ex-jovens

29 agosto, 2007 23:59  
Blogger Elsa Sequeira said...

Yá António!
Tá bués fixe!!!
Hoje venho agradecer a tua gotinha e VAMOS CONTINUAR a lutar pela paz do DARFUR!


BEIJINHOS!

30 agosto, 2007 00:04  
Blogger LurdesMartins said...

António, esta letra, no grupo certo, até era capaz de virar um sucesso musical!

Beijinhos grandes

30 agosto, 2007 19:15  
Blogger Amita said...

Olá António
Encantei-me com este teu Rap. O movimento é alucinante e a boa escrita rimada, fabulosa.
Continuas em grande o que muito me alegra.
Na verdade tudo se alterou mas as brincadeiras daqueles tempos serão sempre inesquecíveis.
Com imenso carinho te deixa um bjinho esta tua amiga pródiga em ausências, mas que não te esquece.

30 agosto, 2007 21:26  
Anonymous Anónimo said...

Ganda Tó! :)

31 agosto, 2007 01:30  
Blogger Odele Souza said...

Olá Antonio,
Uma delícia ler o que você escreve.
Este rap entao, está demais!.

Um beijo.

31 agosto, 2007 03:24  
Blogger Cusco said...

Olá! Antes de partir de férias venho deixar um abraço e um obrigado por todas as simpáticas visitas com que tive o prazer de ser distinguido.
Voltarei em breve…!
SE DEUS QUISER!

31 agosto, 2007 17:12  
Blogger Licínia Quitério said...

Para deixar um abração e desejos de continuação dessa onda rap :)))

31 agosto, 2007 19:25  
Blogger Isamar said...

Vim reler o teu engra�ad�ssimo rep, agradecer a tua passagem l� por casa e deixar-te beijinhos.

02 setembro, 2007 21:42  
Blogger Menina do Rio said...

Um lindo Rap!
Quem dera cá de novo a nossa infancia...

beijos

02 setembro, 2007 23:20  
Blogger Paulo said...

S� vim ao mundo nos anos 80. Ainda assim parece n�o haver ironia na eros�o das rugas do meu �cota�, �mo�o� dos anos 50,quando se identifica com relatos(?) como estes.
Um grande abra�o
Paulo sempre

03 setembro, 2007 02:50  
Blogger Bichodeconta said...

Passo a deixar um beijinho António, e deixo o desejo de que tudo esteja a melhorar.. Força António...UM BEIJINHO ELL

03 setembro, 2007 21:25  

Enviar um comentário

<< Home