2.13.2007

ENTRE DOIS AMORES

Em 11-1- 1952 escrevi um soneto a que dei o título de “Porquê?” Mas logo me arrependi, e ainda antes do dia acabar, já tinha feito outro em sua substituição, a que chamei “O Dia há-de vir” e fui a correr pedir à destinatária para me devolver o primeiro porque o segundo é que valia. Claro que ela guardou os dois.

No primeiro, o Poeta, cansado e triste, pede para dormir e esquecer no colo da Amada toda a angústia que lhe provoca a infindável noite que os envolve:
No segundo, opta por irem ambos fazer algo de concreto, para que o Dia chegue.

Naquele tempo era um dilema frequente para muitos jovens da nossa terra (os que pensavam, claro, apenas os que pensavam) acomodarem-se ou fazerem algo para que as coisas mudassem. E não era fácil trocar o colo da Amada pela incomodidade da Luta. Mas, de entre esses , muitos houve que preferiram a opção menos fácil e alguns, mesmo, de uma forma total e absoluta.

E se fosse hoje? qual das duas versões do poema eu escolheria? Hoje, a pergunta é, porventura ociosa, pois já me falta o jeito quer para uma quer para outra das opções. Ou não?

PORQUÊ ?

Porquê tão escura a noite sem estrelas

Tão triste o uivar do vento, meu Amor?...

Porquê tanta miséria e tanta dor

Nos casebres imundos das vielas?...


Porquê de fome faces amarelas,

Tanto ódio infernal, tanto rancor,

Tanta injustiça, tanta? ... Que pavor

A escuridão da noite sem estrelas!...


Sinto-me tão triste e tão cansado!...

Ah! Se esta noite negra de pecado

Mudasse em radioso amanhecer...


Enquanto se não cumpre o meu anseio

Deixa pousar a fronte no teu seio

E deixa-me dormir...dormir... esquecer...



O DIA HÁ-DE VIR

Quão longa é esta noite, este temor

Que sobre a nossa terra se abateu!

Que crimes este povo cometeu

Para ser sujeito assim a tanta dor?


Não foi a liberdade só que se perdeu

A vida acinzentou, perdeu a cor

Perdeu até sentido o próprio amor

E a própria luz do sol esmoreceu


Sinto-me tão triste e tão cansado!...

Pudesse eu, em teu peito reclinado,

Dormir, esquecer, até o Sol raiar…


Mas não, Amor, que o tempo é de labuta

O DIA não vai vir sem ser com luta

E a luta, temos nós de a travar!


27 Comments:

Blogger Maria Carvalho said...

Magníficos, António. Ambos. Eu também teria ficado com os dois! Muitos beijos.

13 fevereiro, 2007 21:23  
Blogger Codinome Beija-Flor said...

Parabéns!
Lembrei-me de uma canção e diz assim:

De:Pablo Milañez/Simone/Chico Buarque
Artista: Simone e Chico Buarque
Título: Iolanda

Esta canção
Não é mais que uma canção
Quem dera fosse uma declaração de amor
Romântica
Sem procurar a justa forma
Do que me vem de forma assim tão caudalosa
Te amo, te amo
Eternamente te amo

Se me faltares
Nem por isso eu morro
Se é pra morrer
Quero morrer contigo
Minha solidão
Se sente acompanhada
Por isso às vezes sei que necessito
Teu colo, teu colo
Eternamente teu colo

Quando te vi
Eu bem que estava certo
De quem me sentiria descoberto
A minha pele
Vais despindo aos poucos
Me abres o peito quando me acumulas
De amores de amores
Eternamente de amores

Se alguma vez
Me sinto derrotado
Eu abro mão do sol de cada dia
Rezando o credo
Que tu me ensinaste
Olho teu rosto e digo à ventania
Iolanda, Iolanda
Eternamente Iolanda
Iolanda
Eternamente Iolanda
Eternamente Iolanda

***Acho perfeito quando fala:

"Se alguma vez/Me sinto derrotado/
Eu abro mão do sol de cada dia/Rezando o credo/Que tu me ensinaste.

Penso eu que realmente não merecemos o sol, quando somo "derrotados" por nós mesmo, por nossa omissão, nossa preguiça, nossa falta de batalha.

É isso.
Um abraço.

13 fevereiro, 2007 23:53  
Blogger Matvi. said...

La lucha y la amada son merecedores de tan bellos poemas. ¿Era necesario escoger?

14 fevereiro, 2007 00:55  
Blogger Unknown said...

"Enquanto se não cumpre o meu anseio

Deixa pousar a fronte no teu seio

E deixa-me dormir...dormir... esquecer..."

14 fevereiro, 2007 10:57  
Blogger lena said...

tão belos e tão sentidos
acredita que ficaria com os dois


e hoje lembrei-ne da carta que escrevi e não mandei:


numa vontade de te ver
na vulgar noite vazia
onde espero sentada sem sono
vejo o papel, olhar para mim
o mesmo que tantas vezes enviei
como a pedir-me, para te escrever

num entreabrir dos meus olhos
onde escorriam lágrimas
de saudade,
deixo arrastar comigo o desejo
de sede de ti, no deambular deste silêncio

procuro cartas que outrora escrevi,
cartas onde o nosso amor
esteve sempre presente,
tal como hoje,
apesar de distantes
onde a saudade tinha sempre o nosso nome

escrevi-te de novo
para te enviar a minha mão,
entregar meus lábios
dizer-te que o nosso amor ainda perdura
e me sinto de novo especial,
nesta carta que só tu percebes

e nasceu a carta, mesmo sabendo
que pode ser imaginária…

l.maltez


deve ser do dia, está lindo e apetecia-me namorar

acho que vou mesmo namorar o mar

beijinhos para ti,

14 fevereiro, 2007 12:08  
Blogger Cusco said...

Por vezes ao ler um texto, um poema, a minha mente voa para um livro, um outro poema! Nestes e não sei porquê foi para:

“Que importa perder a vida
Em luta contra a traição
Se a Razão mesmo vencida
Não deixa de ser Razão
(A.Aleixo)

Continuo sem saber porquê, será porque ambos os dois poemas são lindos? Será pelo fim do segundo? Terá ainda a ver com o texto anterior?

Cumprimentos e

Até breve
SE DEUS QUISER

14 fevereiro, 2007 12:28  
Anonymous Anónimo said...

olá antonio,lindo os teus escritos, lógico que guardaria os dois, e lógico que te presenteava tambem.

pudesse-lhe eu a fronte afagar
no farto enlevo da penumbra
não na fome ou ou sede que me inunda
mas no cálido e manso despertar.

ah.. que mil velas se acendessem
e que mil noites não sobrassem
sem que as mesmas me queimassem
mas que em braços me envolvessem.

e essa fronte assim tombada
de pensamento e lassidão
debandava em turbilhão
em minha mão assim calada.

entreguei-me a ti, fulgor
de descoberta entontecida
de minha sina já esquecida
renovei-me, banhei-me, amor.


e em resposta ao 2o

bebo p´los teus lábios\ rios
incendeio de tuas mãos\ vitórias
oiço dos teus olhos\ histórias
navegando no teu mar\ navios

navios, princesas e piratas
revolvem-se nos teus cabelos
de lâ púrpura esses novelos
com que me atas e desatas

quando me atas; quase que asfixio
ata-me, enrola-me, desenrola-me
desenlaça-me, cola-me, descola-me
embrenha-me em teu mar
como se eu fora\ teu rio.

(..só presentes simples,para um homem grande)

14 fevereiro, 2007 12:53  
Blogger Licínia Quitério said...

Não se substituem. São duas faces da mesma moeda. Toda a nossa vida é feita destas interrogações: Vou? Fico? E sempre um pedaço de nós parte e o outro se detem.

P.S. Aquele meu planeta chama-se Praia de São Julião (Ericeira). Ficou assim, com uns pós de perlimpimpim...

Um beijo.

14 fevereiro, 2007 16:36  
Anonymous Anónimo said...

Espectaculares, os dois. Não abdicaria de nenhum bem de outro. O primeiro parece-me é mais sofrido, um pouco no estilo à Florbela Espanca. O segundo parece transmitir mais esperança, mais optimismo no andar para a frente. És espectacular António! Grande abraço!
Morgaine
www.newcitadel.blogs.sapo.pt

14 fevereiro, 2007 21:54  
Blogger Pepe Luigi said...

Caro António,
Todos nós sabemos quanto é difícil produzir poesia em sonetos.
Estes dois estão geniais.

Um abraço.

14 fevereiro, 2007 22:39  
Blogger LurdesMartins said...

Cada qual o mais bonito! E é sempre tão difícil escolher entre dois amores... bem, podemos fazer o cara ou coroa, já que parecem duas faces da mesma moeda!

Beijinhos

15 fevereiro, 2007 10:35  
Blogger Maria said...

António

Eu gosto dos dois poemas. Claro que ficaria com ambos.
Mas escolheria, sem dúvida nenhuma, o segundo, "O dia há-de vir", porque o tempo afinal continua a ser de... luta!!!
Quem escolhe o nosso lado como o lado certo da Vida não pode deixar de empunhar o segundo soneto...
Um beijo

15 fevereiro, 2007 13:20  
Blogger Conceição Bernardino said...

Olá,
Ser feliz, do ponto de vista da psicologia, não é ter uma vida perfeita, mas saber extrair sabedoria dos erros, alegria das dores, força das decepções, coragem dos fracassos. Ser feliz neste sentido é o requisito básico para a saúde física e intelectual.
Paragrafo retirado do livro “Nunca desista dos seus sonhos” do autor augusto Cury.

É dos sonhos que eu vivo com os pés bem assentes na terra, força!
Beijinhos
Conceição Bernardino

15 fevereiro, 2007 13:23  
Blogger redonda said...

Gostei mais do segundo porque tem mais esperança.

16 fevereiro, 2007 00:18  
Anonymous Anónimo said...

Não admira que ela tenha querido ficar com ambos, pois qualquer deles são excelentes. Um abraço caro Poeta.

16 fevereiro, 2007 13:12  
Anonymous Anónimo said...

Outro dos meus encantos? Vir até aqui e "ouvir" estes escritos outonais...
Obrigada, António.
Beijo para a tua Ana ;-)

16 fevereiro, 2007 22:24  
Anonymous Anónimo said...

Caro António: o eterno dilema da espécie humana (a pensante, claro): fazer ou não fazer, ser ou não ser, querer ou não querer, agir ou fingir. Dilema esse que aqui tão bem relata e retrata. Quando a falta de jeito que sugere, é modéstia do caro amigo, pois a si nem falta de vontade, nem de “jeiteira”. Mas, como muito bem diz, a nossa luta temos que ser nós a travá-la, verdade hoje um pouco esquecida nestes tempos de apatia e desinteresse, do deixa andar e não te rales. Admiro e estimo a sua real capacidade. Óptimo fim-de-semana.

17 fevereiro, 2007 04:58  
Blogger Padre Vítor Magalhães said...

«TANTO ÓDIO,TANTO RANCOR TANTA INJUSTIÇA»,...

17 fevereiro, 2007 11:56  
Blogger Manuel Veiga said...

ambos os sonetos são excelentes. entre dois amores, não meterei eu a minha colherada... rss

abraços

18 fevereiro, 2007 14:09  
Blogger 100smog lda. said...

parabens pelo site e o layout fenomenal!!!

18 fevereiro, 2007 15:41  
Blogger Paulo said...

Ambos, trazem lá dentro "pessoas". Excelentes...portanto.
Abraço
Paulo

18 fevereiro, 2007 20:25  
Blogger Conceição Bernardino said...

Boa noite,

Eu não sou de ninguém!... Quem me quiser
Há-de ser luz do Sol em tardes quentes:
Nos olhos de água clara há-de trazer
As fúlgidas pupilas dos videntes!
“ Flor bela Espanca”

Esta é a forma que eu encontro para comentar
A mais pura a que eu vos quero entregar
A minha amizade...
Conceição Bernardino
http://amanhecer-palavrasousadas.blogspot.com

19 fevereiro, 2007 00:38  
Blogger Ana Luar said...

Simplesmente belos... :)

19 fevereiro, 2007 09:46  
Blogger david santos said...

Olá!
Ela não teve que fazer escolha. Ficou com ambos. E ambos tinham interiores, positivamente, férteis.
Parabéns.

19 fevereiro, 2007 22:38  
Blogger Teresa David said...

Para mim tem um sabor especial estes ingénuos e sentidos poemas pois nasci em 02.02.52 bem perto da data que foram feitos. Eu ainda no útero de minha mãe e você já a sentir a necessidade de uma sociedade mais livre e do amor sempre.
Bjs
TD

20 fevereiro, 2007 00:15  
Blogger Elsa Sequeira said...

António!
depois passo para ler mais atentamente, porque gostei do que li, mas agora tenho no - eu estou aki .- um desafio para ti!Vai lá ver!

beijinhos!

20 fevereiro, 2007 13:49  
Blogger Menina Marota said...

Pois é, meu caro Poeta, eu também ficava com os dois sonetos...

Hoje, creio que escolherias o segundo... "Dia há-de vir" porque afinal, está tão actual... ora vê...

"Mas não, Amor, que o tempo é de labuta
O DIA não vai vir sem ser com luta
E a luta, temos nós de a travar!"

... não continua a LUTA? Não deve continuar?

Tão actual ainda...

Beijo ;)

22 fevereiro, 2007 11:15  

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