12.06.2006

CONHEÇO-TE, CAMARADA!

Fiz este poema em 1947. Tinha 18 anos. Acabara de sair havia pouco do seminário, onde tinha permanecido cerca de seis anos. Nota-se. Repare-se na grandiloquência das palavras, nas “Verdades”, nas “Justiças”, no “Amor”, na “União” escritas com maiúsculas, a significar o valor supremo que então lhes atribuía. Quanta ingenuidade, meu Deu! Mas também quanta generosidade – possível só na idade que tinha então. E quanta desilusão fui acumulando ao longos dos anos, nos quais fui aprendendo a relatividade de noções que julguei absolutas, indiscutíveis e imutáveis.

Numa coisa acertei, porém: foi que, por força de persistentes, longas e difíceis caminhadas de anónimos caminhantes (que não eu, que pouco mais do que nos versos caminhei) os nossos filhos (e alguns de nós) puderam vir a recolher os premonitórios cravos vermelhos de que falo no poema.

Dedico estes versos a meu irmão José Gouveia – esse, sim, um intrépido combatente pela liberdade.

Aqui fica o poema, como curiosidade e como documento dos temas que podiam inquietar um jovem, nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial e à derrota do Nazismo, e uma janela de esperança se abria para os povos oprimidos como era o nosso

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Conheço-te, Camarada
E ao brilho igual ao meu
Do teu olhar...

sei o que queres,
p’ra onde vais
e a mesma ânsia de MAIS
Nos incita a lutar !

Mais VERDADE
Mais PÃO
Mais AMOR!

Mais calor
No lar dos deserdados
Da sorte !

Mais forte
A união dos camaradas !

MAIS !
Ânsias de MAIS
te consomem.
Leio-o no teu olhar,
HOMEM,
no teu olhar ardente
de profeta e paladino.


Tu pouco és.
Eu não sou nada.
Mas dá-me a tua mão,
ò camarada,
e seremos DOIS !
E dois são a UNIÃO !
E a união a FORÇA

E a força a CERTEZA
de chegar,
depois de bem lutar,
ao fim da caminhada


Despir-nos-emos
das vestes ignóbeis
dos preconceitos
da vida

E iremos nus,
com a nudez rude
da verdade que conhecemos,
em busca da Verdade que procuramos,
A Verdade desconhecida

Ninguém nos deterá.
Ninguém, nem nada!
Desenharemos a sangue
os pés pela Estrada,
da longa estrada que arde.
E desses rastos de sangue
hão-de brotar mais tarde,
hão-de florir e crescer
cravos vermelhos, dobrados,

que os nossos filhos, ainda,
alegres e descuidados,
hão-de vir a recolher

E não serão em vão
os ais,
os gemidos,
que, de dentes cerrados,
semearemos p’lo caminho !

Mais tarde, os que virão,
hão-de colhê-los, transformados
em exclamações de júbilo,
em frases de carinho


Vem, camarada !
Dá-me e tua mão

e a mão do teu camarada

E de lugar em lugar,
de cidade em cidade,
iremos sem parar
em busca da VERDADE !

E com a verdade
a JUSTIÇA,
Com Justiça o AMOR.

Vem, camarada,
Não tardes, por favor!

__________

E contudo, menos lírico, mais objectivo, mais realista,
continuo e continuarei a ter como ideal supremo
A justiça e a igualdade entre os homens (e mulheres, bem entendido)

Feitios, que se há-de fazer?!

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olá Antonio, como é bom relembrar a beleza com que viamos a vida com 18 anos. Manter essa chama acessa é que é mais dificil, esta beleza misturada com inocência! Acho engraçado teres guardado este teu poema tantos anos, será que eu também irei fazer o mesmo? quando chegar á tua linda idade to direi. e já agora um bom fim de semana sofia

07 dezembro, 2006 14:41  
Blogger Maria said...

Olá antónio
Esta coisa dos blogs tem duas vertentes: uma, a que nos dá a conhecer um mundo virtual onde toda a gente se conhece sem se conhecer, e é bom lermo-nos e visitarmo-nos uns aos outros; a outra, a falta de tempo que temos para o fazer.
Tirei este fim de semana para pôr em ordem as leituras dos blogs e para os organizar minimamente no computador, para melhor e mais fácil acesso.
Gostei do teu poema
Um bom fim de semana

08 dezembro, 2006 15:02  
Anonymous Anónimo said...

Das páginas que mais gosto de visitar, ainda para cima hoje com acrescidos motivos de interesse. Passei para apreciar e desejar bom fim-de-semana, e por isso vou daqui saciado. Até breve.

08 dezembro, 2006 18:50  
Blogger Licínia Quitério said...

Uma delícia este documento. A afirmação da esperança num mundo justo quando o tempo por aqui era de chumbo. E ainda hoje a tua escrita tem muito da chama dos teus dezoito anos.

Passa bem. Beijinhos.

09 dezembro, 2006 10:35  
Blogger ROADRUNNER said...

Este poema foi uma premonição...
Subscrevo o ideal supremo.
Saudações!

09 dezembro, 2006 22:02  
Blogger david santos said...

Olá, António!
Obrigado pelo poema, que adorei e pelos 18 que já tivemos...
Parabéns.

10 dezembro, 2006 18:27  
Blogger Maria Carvalho said...

Pois. É isso. Este poema escrito numa altura complicada da vida de cada um...transparece assim que como uma luz, um caminho, um objectivo que gostaria que nos levasse a uma felicidade que é inalcançável. Pelas tuas palavras nos meus himildes poemas,te agradeço. Beijos. Mil. Pela luta.

10 dezembro, 2006 18:50  
Blogger Menina Marota said...

"...E iremos nus,
com a nudez rude
da verdade que conhecemos,
em busca da Verdade que procuramos,
A Verdade desconhecida..."

... um poema que me faz recordar o tempo em que acreditava que a força da minha vontade e da minha alma, poderia mudar o Mundo...

Hoje,noto desiludida, que já não existe, nos mais jovens, aquela "poesia" de querer mudar o Mundo e na força da nossa vontade.

Vive-se na "força" do material, do supérfulo e o Mundo afunda, cada vez mais...

Grata pelas tuas palavras nas minhas "casa"...

Tentei mandar-te um email sobre aquilo que me dizes da visibilidade do meu blogue, mas veio devolvido.
Aqui não noto nada. Mas vou indagar. Obrigada pelo cuidado.
Um abraço e boa semana ;)

11 dezembro, 2006 10:10  
Blogger Manuel Veiga said...

o poema é bem digno de ti e da memória do José Augusto Gouveia, "homem de uma só palavra e de uma só fé...". um exemplo de dignidade e coragem, de quem guardo o inolvidável privilégio de ter sido amigo.

uma boa surpresa para mim, António!

abraços

11 dezembro, 2006 17:21  

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