CONHEÇO-TE, CAMARADA!
Fiz este poema em 1947. Tinha 18 anos. Acabara de sair havia pouco do seminário, onde tinha permanecido cerca de seis anos. Nota-se. Repare-se na grandiloquência das palavras, nas “Verdades”, nas “Justiças”, no “Amor”, na “União” escritas com maiúsculas, a significar o valor supremo que então lhes atribuía. Quanta ingenuidade, meu Deu! Mas também quanta generosidade – possível só na idade que tinha então. E quanta desilusão fui acumulando ao longos dos anos, nos quais fui aprendendo a relatividade de noções que julguei absolutas, indiscutíveis e imutáveis.
Numa coisa acertei, porém: foi que, por força de persistentes, longas e difíceis caminhadas de anónimos caminhantes (que não eu, que pouco mais do que nos versos caminhei) os nossos filhos (e alguns de nós) puderam vir a recolher os premonitórios cravos vermelhos de que falo no poema.
Dedico estes versos a meu irmão
Aqui fica o poema, como curiosidade e como documento dos temas que podiam inquietar um jovem, nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial e à derrota do Nazismo, e uma janela de esperança se abria para os povos oprimidos como era o nosso
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Conheço-te, Camarada
E ao brilho igual ao meu
Do teu olhar...
sei o que queres,
p’ra onde vais
e a mesma ânsia de MAIS
Nos incita a lutar !
Mais VERDADE
Mais PÃO
Mais AMOR!
Mais calor
No lar dos deserdados
Da sorte !
Mais forte
A união dos camaradas !
MAIS !
Ânsias de MAIS
te consomem.
Leio-o no teu olhar,
HOMEM,
no teu olhar ardente
de profeta e paladino.
Tu pouco és.
Eu não sou nada.
Mas dá-me a tua mão,
ò camarada,
e seremos DOIS !
E dois são a UNIÃO !
E a união a FORÇA
E a força a CERTEZA
de chegar,
depois de bem lutar,
ao fim da caminhada
Despir-nos-emos
das vestes ignóbeis
dos preconceitos
da vida
E iremos nus,
com a nudez rude
da verdade que conhecemos,
em busca da Verdade que procuramos,
A Verdade desconhecida
Ninguém nos deterá.
Ninguém, nem nada!
Desenharemos a sangue
os pés pela Estrada,
da longa estrada que arde.
E desses rastos de sangue
hão-de brotar mais tarde,
hão-de florir e crescer
cravos vermelhos, dobrados,
que os nossos filhos, ainda,
alegres e descuidados,
hão-de vir a recolher
E não serão em vão
os ais,
os gemidos,
que, de dentes cerrados,
semearemos p’lo caminho !
Mais tarde, os que virão,
hão-de colhê-los, transformados
em exclamações de júbilo,
em frases de carinho
Vem, camarada !
Dá-me e tua mão
e a mão do teu camarada
E de lugar em lugar,
de cidade em cidade,
iremos sem parar
em busca da VERDADE !
E com a verdade
a JUSTIÇA,
Com Justiça o AMOR.
Vem, camarada,
Não tardes, por favor!
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continuo e continuarei a ter como ideal supremo
A justiça e a igualdade entre os homens (e mulheres, bem entendido)
Feitios, que se há-de fazer?!
9 Comments:
Olá Antonio, como é bom relembrar a beleza com que viamos a vida com 18 anos. Manter essa chama acessa é que é mais dificil, esta beleza misturada com inocência! Acho engraçado teres guardado este teu poema tantos anos, será que eu também irei fazer o mesmo? quando chegar á tua linda idade to direi. e já agora um bom fim de semana sofia
Olá antónio
Esta coisa dos blogs tem duas vertentes: uma, a que nos dá a conhecer um mundo virtual onde toda a gente se conhece sem se conhecer, e é bom lermo-nos e visitarmo-nos uns aos outros; a outra, a falta de tempo que temos para o fazer.
Tirei este fim de semana para pôr em ordem as leituras dos blogs e para os organizar minimamente no computador, para melhor e mais fácil acesso.
Gostei do teu poema
Um bom fim de semana
Das páginas que mais gosto de visitar, ainda para cima hoje com acrescidos motivos de interesse. Passei para apreciar e desejar bom fim-de-semana, e por isso vou daqui saciado. Até breve.
Uma delícia este documento. A afirmação da esperança num mundo justo quando o tempo por aqui era de chumbo. E ainda hoje a tua escrita tem muito da chama dos teus dezoito anos.
Passa bem. Beijinhos.
Este poema foi uma premonição...
Subscrevo o ideal supremo.
Saudações!
Olá, António!
Obrigado pelo poema, que adorei e pelos 18 que já tivemos...
Parabéns.
Pois. É isso. Este poema escrito numa altura complicada da vida de cada um...transparece assim que como uma luz, um caminho, um objectivo que gostaria que nos levasse a uma felicidade que é inalcançável. Pelas tuas palavras nos meus himildes poemas,te agradeço. Beijos. Mil. Pela luta.
"...E iremos nus,
com a nudez rude
da verdade que conhecemos,
em busca da Verdade que procuramos,
A Verdade desconhecida..."
... um poema que me faz recordar o tempo em que acreditava que a força da minha vontade e da minha alma, poderia mudar o Mundo...
Hoje,noto desiludida, que já não existe, nos mais jovens, aquela "poesia" de querer mudar o Mundo e na força da nossa vontade.
Vive-se na "força" do material, do supérfulo e o Mundo afunda, cada vez mais...
Grata pelas tuas palavras nas minhas "casa"...
Tentei mandar-te um email sobre aquilo que me dizes da visibilidade do meu blogue, mas veio devolvido.
Aqui não noto nada. Mas vou indagar. Obrigada pelo cuidado.
Um abraço e boa semana ;)
o poema é bem digno de ti e da memória do José Augusto Gouveia, "homem de uma só palavra e de uma só fé...". um exemplo de dignidade e coragem, de quem guardo o inolvidável privilégio de ter sido amigo.
uma boa surpresa para mim, António!
abraços
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