5.13.2006

EROTIKUS, ma non troppo


Aquela noite...


Era Agosto.
A noite era morna e calma. Perpassavam no ar murmúrios subtis de músicas longínquas, e a brisa, suave e doce, trazia até nós imaginadas fragrâncias de imaginadas flores exóticas, de terras desconhecidas e distantes. Éramos extremamente românticos naquele tempo, e a memória dos filmes de Hollywood levava-nos a ver exotismo que só na nossa imaginação existia.


O rebentar grácil das ondas na praia era uma canção, e o ruído dos nossos pés descalços, pisando a areia, era ritmado e vagaroso. Íamos calados os dois, mas os nossos corações, batendo em uníssono, subentendiam o que as nossas bocas não se atreviam a dizer.

Apenas as nossas mãos entrelaçadas se tocavam, mas em ambos ardia, fremente, o mesmo desejo de que essa união fosse mais íntima, mais profunda, total.

Quando te convidei para aquele passeio nocturno, por entre as rochas, à beira do mar, não tinha sido apenas pelo desejo de passear, e tu, embora tentasses convencer-te a ti própria de que era esse o único motivo, bem sabias que não, e no fundo desejavas, tanto como eu, que não fosse só por isso.

Eis a razão porque seguíamos calados, receosos de exteriorizar os nossos pensamentos. Mas o sangue falava mais alto do que as nossas bocas.
Tudo à nossa volta convidava ao amor: a moleza sensual da noite, o perfume da brisa, a música misteriosa do oceano. Tudo falava de amor, os nossos corações estavam cheios de amor que, neste caso, melhor seria dizer ardendo de desejo.

Os nossos corpos sentiam-se atraídos um para o outro, por uma força misteriosa e imperativa. Eu sentia a tua mão fresca estremecer ao contacto com a minha, e o sangue circulava-me impetuoso, nas veias.

As palavras vieram por fim, trémulas, despropositadas, mas ambos sentíamos que, numa noite assim, eram desnecessárias as palavras. Enquanto falávamos o meu olhar guloso contemplava-te com avidez e urgência.


Não há mulher nenhuma que não seja uma tentação numa noite de Agosto, à beira do mar, mas tu estavas simplesmente apetecível. Aquele quimono de seda, com ramagens azuis, largamente decotado, deixava adivinhar umas formas esculturais e tentadoras - prelúdio aliciante de incomparáveis encantos; o cabelo, atado com uma fita larga, da mesma cor do vestido e enfeitado com um cravo rescendente, de um perfume bárbaro, ondeava gracioso, ao sopro da aragem; os olhos, dois carvões acesos na noite, deixavam transparecer no rosto toda a volúpia que te ia no sangue; os lábios, coloridos e entreabertos, eram uma promessa rubra de beijos quentes e estonteantes.


O luar inundava de uma dulcíssima luz o teu colo moreno, deixando a descoberto a nascença apetecível dos seios, pequeninos e redondos, cujos biquinhos, túrgidos e irrequietos como víboras, pareciam querer saltar fora do vestido. Tive, logo ali, desejos de os morder.

A minha mão, num impulso, achou-se, sem saber como, pousada no teu quadril, e dentro em pouco o meu braço enlaçava, inteiramente, a tua cintura quente e macia.

Olhaste-me numa muda reprovação, mas, a desmentir o significado do teu olhar, o teu corpo aninhou-se mais de encontro ao meu.

Voltei-te para mim. Os meus olhos ficaram frente a frente com os teus, os teus lábios quase a tocar os meus. Sentia a tua respiração apressada, o calor do teu corpo misturava-se com o meu, através da macieza da seda.

Desataste a fugir, rindo provocadoramente. O meu sangue não aguentava mais. Correste, correste, a rir um riso histérico e nervoso, com receio que eu te alcançasse e desejosa, ao mesmo tempo, que te faltassem as forças, para que não pudesses resistir.

O teu espírito rebelava-se, por uma questão de preconceito, mas o teu corpo reclamava, imperioso, a satisfação urgente e natural dos seus apetites, agora inteiramente despertos.

O desejo de te possuir dominava-me inteiramente, à medida que a distância que nos separava se ia tornando cada vez mais curta, até que te alcancei. Tentaste resistir. Mas a tua fingida ou sincera resistência só servia para levar mais ao rubro o meu desejo. Despimo-nos atabalhoadamente, as peças de roupa atiradas ao vento, e juntos rebolámos na areia. E ora eu por cima ora eu por baixo, numa voluntária e fingida submissão, travámos uma luta ofegante, que mais não servia senão para prolongar o desejo irreprimível de entrega e posse, de cuja concretização ela era, apenas, o inefável prelúdio.

No meio da luta, o sangue a latejar, beijei-te os olhos, suguei-te os lábios em beijos intermináveis, mordi-te o pescoço e os seios, ébrio de sensualidade ...e aos poucos as tua coxas se abriram e os nossos corpos se fundiram e às frases de protesto sucedeu-se um pequeno grito, misto de dor e de prazer, que os meus lábios abafaram num beijo, e foi mais uma nota na música das vagas.

Começou, baixinho, uma sinfonia calma e doce de suspiros, beijos e palavras entrecortadas de meiguice. Já não resistias. O amor estava dentro de nós dois, tinha-se apoderado inteiramente de nós, dos nossos corpos e dos nossos espíritos, que num todo nesse momento se fundiram. Não havia mais espírito, nem mais corpo, foi como um estilhaçar de ambos em pequenas partículas que, se fossem luminosas, teriam incendiado o imenso areal

E ali, naquela noite de verão, de 1952, à beira do mar, tendo por leito a areia morna da praia e por dossel o céu enluarado, se consumou a consagração total do nosso amor, com a simplicidade e a beleza eterna das leis da Natureza.

Só o sol nascente e a maré que nos lambia os corpos vieram pôr fim ao torpor em que - ausentes de tudo, suspensos entre o céu e terra - ali ficámos mergulhados, noite fora.

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De ti, que foste o mais efémero dos meus amores “eternos”, não mais tive notícias …mas a puta da bronquite que apanhei naquela noite, essa, mais fiel do que tu, não mais me deixou ao longo das dezenas de anos da minha já longa existência.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Lindo!

13 maio, 2006 22:46  
Anonymous Anónimo said...

77 anos, diz o meu amigo, e que imoportam os anos, quando se têm um espírito jovem como seu?

14 maio, 2006 14:29  
Blogger Ricardo Pereira said...

António, começo por um pedido de desculpas pela ausencia que tens sido vitima da minha parte e sigo dizendo que nao podia ter encontrado texto melhor para comentar.
Eu sei que tenho algum talento para a escrita, não querendo parecer arrogante e convencido, mas tu meu amigo... tu... não há palavras, a maneira como até a brisa nos fazes sentir, o aroma, a temperatura e todo o cenário é simplesmenmte sublime... sem mais palavras. Um grande abraço. Ricardo

15 maio, 2006 21:18  
Blogger António Melenas said...

Comentário aos comentários dos meus cmentadores:

Ao Roadrunner:
Também acho.
Ao Carlos P:
Pois eu, nsta fase do campeonato, trocava metade da juventude de espírito por parte igual da juventude do corpo.
Ao Ricardo:
Também não precisas exagerar!
À Sara:
Os sentimentos são e serão sempre os mesmos, as circunstâncias é que variam

A todos,
Muito obrigado, por me lerem e me escreverem
Abraços
António

17 maio, 2006 11:11  

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