BORRACHOS DOS ANOS CINQUENTA
Você conhece Moscavide?
Não se preocupe. Se não conhece não perde nada. Moscavide é um amontoado de prédios incaracterísticos, onde, numa área de 1 Km2, se acotovelam mais de 20 mil pessoas, com muito trânsito, muita poluição, sem nada de interessante para ver, com as características, os defeitos e o cinzentismo de uma zona suburbana que é …..E no entanto teve o condão de deixar em todos os que lá cresceram uma saudade, um afecto, uma aura mítica, enfim um conjunto de sentimentos difíceis de explicar e que não é vulgar serem suscitados por um lugar com estas características
É que nesse tempo, não teria mais de um milhar de pessoas, todos se conheciam, as casas eram baixinhas e poucas, a maior parte dos prédios altos agora edificados era ocupada por quintais e espaços livres e à volta era tudo quintas e caminhos velhos, dos tais que, segundo José Afonso, só se lembra quem anda à noite à aventura
Os habitantes eram quase todos oriundos de diferentes vilas e aldeias dos mais diversos recôndito sítios do país, que aqui criavam e reproduziam o ambiente campesino das suas terras de origem.
Os garotos, quer os já nascidos cá, quer os que vinham de fora, tinham aqui um espaço sem limites para as suas brincadeiras e imaginárias aventuras. A proximidade do Tejo ainda não poluído, onde mergulhavam, apanhavam bivalves, pescavam, faziam trinta por uma linha, estabelecia uma espécie simbiose unificadora entre o campo o mar (era mar que se chamava ao rio) e o subúrbio. Todas esta garotada ali cresceu, ali jogou à bola, ali dançou, ali namorou, ali casou, e – na sua maior parte. dali partiu em busca de outras condições de vida, como é óbvio.
Mas, como o bichinho da terra lá ficou, pouco depois do 25 de Abril, alguns deles, sobretudo regressados das nossas ex-colónias, onde viveram e trabalharam durante muitos anos, teve a ideia de organizar um encontro - um almoço que dura toda a tarde com a rapaziada (rapazes e raparigas) que andavam por volta dos 20 anos na década de cinquenta. Assim se fez, e desde então para cá , quase todos os anos – sempre no mês de Abril _ participam nesse encontro, a que ficou a chamar-se de “Borrachos dos anos cinquenta” à volta de uma centena dos ditos “borrachos” e “borrachas” cuja idade oscila agora entre os setenta e o oitenta e tantos anos. Felizmente que não são só esses, pois ultimamente começam a participar também alguns filhos e netos dos velhos borrachos.
Pois foi num desses encontros que passei a tarde de hoje. Todos os anos costumo fazer, e ler durante o almoço, uma versalhada meio saudosista, meio desbragada que o ego “borrachos” já não dispensava. Este ano, em vez do habitual louvor aos velhos tempos e do estafado”cliché” de que nós éramos e continuávamos a ser “os maiores”, resolvi ser mais realista e foram estes os desbocados versos que declamei:
Não se preocupe. Se não conhece não perde nada. Moscavide é um amontoado de prédios incaracterísticos, onde, numa área de 1 Km2, se acotovelam mais de 20 mil pessoas, com muito trânsito, muita poluição, sem nada de interessante para ver, com as características, os defeitos e o cinzentismo de uma zona suburbana que é …..E no entanto teve o condão de deixar em todos os que lá cresceram uma saudade, um afecto, uma aura mítica, enfim um conjunto de sentimentos difíceis de explicar e que não é vulgar serem suscitados por um lugar com estas características
É que nesse tempo, não teria mais de um milhar de pessoas, todos se conheciam, as casas eram baixinhas e poucas, a maior parte dos prédios altos agora edificados era ocupada por quintais e espaços livres e à volta era tudo quintas e caminhos velhos, dos tais que, segundo José Afonso, só se lembra quem anda à noite à aventura
Os habitantes eram quase todos oriundos de diferentes vilas e aldeias dos mais diversos recôndito sítios do país, que aqui criavam e reproduziam o ambiente campesino das suas terras de origem.
Os garotos, quer os já nascidos cá, quer os que vinham de fora, tinham aqui um espaço sem limites para as suas brincadeiras e imaginárias aventuras. A proximidade do Tejo ainda não poluído, onde mergulhavam, apanhavam bivalves, pescavam, faziam trinta por uma linha, estabelecia uma espécie simbiose unificadora entre o campo o mar (era mar que se chamava ao rio) e o subúrbio. Todas esta garotada ali cresceu, ali jogou à bola, ali dançou, ali namorou, ali casou, e – na sua maior parte. dali partiu em busca de outras condições de vida, como é óbvio.
Mas, como o bichinho da terra lá ficou, pouco depois do 25 de Abril, alguns deles, sobretudo regressados das nossas ex-colónias, onde viveram e trabalharam durante muitos anos, teve a ideia de organizar um encontro - um almoço que dura toda a tarde com a rapaziada (rapazes e raparigas) que andavam por volta dos 20 anos na década de cinquenta. Assim se fez, e desde então para cá , quase todos os anos – sempre no mês de Abril _ participam nesse encontro, a que ficou a chamar-se de “Borrachos dos anos cinquenta” à volta de uma centena dos ditos “borrachos” e “borrachas” cuja idade oscila agora entre os setenta e o oitenta e tantos anos. Felizmente que não são só esses, pois ultimamente começam a participar também alguns filhos e netos dos velhos borrachos.
Pois foi num desses encontros que passei a tarde de hoje. Todos os anos costumo fazer, e ler durante o almoço, uma versalhada meio saudosista, meio desbragada que o ego “borrachos” já não dispensava. Este ano, em vez do habitual louvor aos velhos tempos e do estafado”cliché” de que nós éramos e continuávamos a ser “os maiores”, resolvi ser mais realista e foram estes os desbocados versos que declamei:
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MAS QUAIS BORRACHOS?
Que bom, Amigos, que é
Estar aqui mais esta vez...
A esperança não me faltava
Mas um SIM não arriscava
E quando muito um TALVEZ
Na engrenagem da vida
Quanta areia se intromete
Tive amores e desenganos
Já lá vão os vinte anos
E agora… setenta e sete
Fui “borracho” e voei alto
Agora, rentinho ao chão
Pus em mim tanto desvelo…
Já me rareia o cabelo
E que dizer do tesão!
Dos tempos da mocidade
Só a saudade perdura
Já em mim nada se anima
Nem da cintura p’ra cima
Nem p’ra baixo da cintura
Nem sequer minha voz é
Como era, ao fim e ao cabo
Bem me esforço por gritar
Ma não me faço escutar
Pois me foge a voz p’ró rabo
Ah, ah, ah, riem vocês
Mas tenham lá mais recato
Pois o que eu digo de mim
Olhai p’ra vós e é assim
Exacto, o vosso retrato
Chiu, chiu, chiu, esperem lá,
Não vale a pena chorar!
Se o corpo voa mais rente
Só temos de olhar em frente
E pôr a mente a voar
É triste consolação?
Pois será, mas tem que ser
Se a mente estiver activa
E um corpo onde ela viva
Tanta coisa há p’ra fazer!
Um apelo eu faço, Amigos,
Que este encontro não se olvide
E enquanto o corpo deixar
Ele sempre tenha lugar
Neste nosso Moscavide
_____________
Restaurante Safari Que bom, Amigos, que é
Estar aqui mais esta vez...
A esperança não me faltava
Mas um SIM não arriscava
E quando muito um TALVEZ
Na engrenagem da vida
Quanta areia se intromete
Tive amores e desenganos
Já lá vão os vinte anos
E agora… setenta e sete
Fui “borracho” e voei alto
Agora, rentinho ao chão
Pus em mim tanto desvelo…
Já me rareia o cabelo
E que dizer do tesão!
Dos tempos da mocidade
Só a saudade perdura
Já em mim nada se anima
Nem da cintura p’ra cima
Nem p’ra baixo da cintura
Nem sequer minha voz é
Como era, ao fim e ao cabo
Bem me esforço por gritar
Ma não me faço escutar
Pois me foge a voz p’ró rabo
Ah, ah, ah, riem vocês
Mas tenham lá mais recato
Pois o que eu digo de mim
Olhai p’ra vós e é assim
Exacto, o vosso retrato
Chiu, chiu, chiu, esperem lá,
Não vale a pena chorar!
Se o corpo voa mais rente
Só temos de olhar em frente
E pôr a mente a voar
É triste consolação?
Pois será, mas tem que ser
Se a mente estiver activa
E um corpo onde ela viva
Tanta coisa há p’ra fazer!
Um apelo eu faço, Amigos,
Que este encontro não se olvide
E enquanto o corpo deixar
Ele sempre tenha lugar
Neste nosso Moscavide
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Moscavide, 22-04-2006
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O Encontro terminou, como habitualmente, com toda a gente a cantar em coro a canção do adeus, com letra também da minha autoria
CANÇÃO do ADEUS
Borrachos dos anos cinquenta
Cá estivemos novamente
P’ra recordar o passado
Que em nós está tão presente
Adeus até p’ró ano, irmãos
Adeus até p’ró ano
Havemos de voltar, irmãos
Adeus até p’ró ano
Qu’ importa que a vida dura
Mil problemas possa dar
Se a esp’rança em nós perdura
De um dia cá voltar
Adeus até p’ró ano, irmãos
Adeus até p’ró ano
Havemos de voltar, irmãos
Adeus até p’ró ano
Na hora da despedida
Vamos todos dar a mão
E cantar em voz sentida
Esta vibrante canção
Adeus até p’ró ano, irmãos
Adeus até p’ró ano
Havemos de voltar, irmãos
Adeus até p’ró ano
- - -
“Adeus até pró ano”, diz a canção e é essa a esperança. O pior é que todos os anos faltam uns quantos (de ano para ano o número aumenta) que partiram para a viagem sem regresso e não tardará muito que já não haja coro, ou força para dizer até pró ano.
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“Adeus até pró ano”, diz a canção e é essa a esperança. O pior é que todos os anos faltam uns quantos (de ano para ano o número aumenta) que partiram para a viagem sem regresso e não tardará muito que já não haja coro, ou força para dizer até pró ano.
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Quem quiser fazer uma ideia do apego, quase mítico, dos ex-moscavidenses à terra onde cresceram, veja o meu site sobre Moscavide, especialmente a rubrica “Correio dos visitantes”, em
http://pwp.netcabo.pt/0662339101
5 Comments:
Segui o seu conselho e fui espreitar as cartas dos vistantes do seu Site sobre Moscavide, que achei muito interessante, aliás. Mas as cartas revelam bem um apego, que não é vulgar, a uma terra tão desinteressante como é Moscavide Este que eu conheço). Quanto ao texto de hoje está ao nível do que já nos habituou
Ogrigado Sara, por prestares atenção às patetices que para aqui escrevo.Claro que nesta idade já não tenho avós, mas a verdade é que nunca tive. Quando nasci já tinham morrido todos. Só conheci um bisavô. Quanto ao sítio onde secesceu ele só vai fazer nascer esta mística de que falo, quando de lá se saiu há muto tempo. Contudo é curioso que com o meu Site sobre Moscavide descobri que também os jovens que o visitam têm saudades dum tempo que não viveram. Não sei se é do tempo, se da forma como eu o pinto... mas sinto isso, pelo que me escrevem
bjs
António
Bem...depois disto já cheguei tarde, palavras para quê...foi tudo dito. um grande abraço António
Palavras para quê? Só a emoção, tudo o resto está dito! Também eu vivi 34 anos em Moscavide, desde que nasci, e ainda hoje continuo a encontrar-me com os meus amigos (a grande maioria já não mora lá) e a fazermos regularmente jantaradas bem regadas, no Safari, Floresta de Moscavide, Torrão, Delicia e por aí fora conforme calha. Espero estar aqui com 77 anos (tenho 39, qause 40)e poder também eu recordar os "bons velhos tempos" e mais importante ainda, estar a pensar em marcar a próxima jantarada! Bem-haja também pelo seu site sobre Moscavide, que está espectacular e que tenho adicionado nos meus favoritos há muito tempo. Um grande abraço.
Ah! esqueci-me de dizer, mas vou colocar um link da página de Moscavide no meu blog.
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