2.01.2006

FUTEBÓIS E CLUBITES


Desde garoto que sou sportinguista. Era esse o clube favorito de meu irmão José – o irmão/herói dos meus verdes anos – e, obviamente não, podia ser senão essa a minha opção em matéria de clubes. No entanto, minha relação futebolística fica-se por aí, por uma espécie de engajamento afectivo, tribal, à estirpe leonina de tal modalidade. Digo leonina, porque detesto a designação de “lagartos” que os adversários nos atribuem e mesmo alguns adeptos, estranhamente, aceitam sem grandes reservas.

Costuma-se dizer que um homem pode mudar de partido, de religião, de mulher, mas jamais de clube e estou inclinado a pensar que é muito verdadeiro este aforismo Na verdade, exceptuando os primeiros anos da infância, em que se é do clube que ganha nesse dia, não conheço ninguém que, no decorrer da sua vida, tenha alterado as suas preferências clubistas, ganhe ou perca o clube da sua afeição. Pode quando muito, por ter mudado de residência ou por influência de um familiar ou amigo, acrescentar à lista das suas afeições um segundo clube, sem nunca renegar o primeiro.

Devo confessar que, fora dessa ligação afectiva ao mundo do futebol através do Sporting, nunca tive o mínimo jeito para a prática de tal desporto. Eu bem tentava, mas para além de correr que nem um desalmado, e nisso ninguém me batia, a baliza nunca estava no local para onde eu chutava e ainda por cima, na ânsia de a encontrar, tinha a mania de não passar de me agarrar à bola e não a passar a ninguém, para grande irritação dos meus desesperados companheiros de equipa e sarrafada que fervia nas canelas dos adversários. Isso nos jogos entre escuteiros no campo de futebol da Quinta do Cabeço – o que quer dizer do Seminário dos Olivais, que por sinal ficava em Moscavide. Aí, bem ou mal, eu jogava sempre que queria.

O pior era com a malta da minha rua. Conhecedor das minhas desastradas performances no domínio da chincha, o Zé-Carapau, o mais mau lá do sítio e ainda por cima o único que tinha uma bola de catechu, adquirida com o dinheiro que fanava da gaveta da mãe, a volumosa, a imensa Silvina Peixeira, raramente me escolhia para os desafios que organizava em plena rua e quando o fazia era sempre e só para alinhar como guarda-redes (keeper, assim se dizia então).

Aí, ao menos, não havia perigo de perder a baliza. O problema, neste caso, era não lhe avaliar bem as dimensões, tanto mais que me faltava a ajuda dos benditos postes salvadores, aqui substituidos por um calhau de cada lado, em pleno eixo da estrada, cuja distância relativa dependia, aliás, dos avinagrados humores do tal Zé-Carapau . Quando consentia um golo – o que (ai de mim!) era mais que frequente – apesar dos meu heróicos mergulhos, quase sempre para o lado oposto à direcção da bola, o Zé-Carapau, que tinha maus fígados e mau perder, sem contemplação alguma pelos meus joelhos esfolados nos desastrados mergulhos, ainda me ameaçava de porrada e não poucas vezes tive de recorrer à minha inegável ligeireza de gâmbias para chegar são e salvo a minha casa, logo na rua seguinte, ao virar da esquina.

Mais tarde, na juventude ia muitas vezes assistir a jogos do campeonato e a alguns internacionais mas só àqueles em que o Sporting intervinha. Normalmente ia como pendura na mota do meu amigo Nelson, sportinguista ferrenho, que chegou mesmo a praticar futebol no Clube, mas apesar de muito habilidoso do que eu, nunca fez grande coisa, mais por falta de força de vontade, julgo, de por falta de mestria.

Depois que casei, não tanto por esse facto, mas porque a as minhas preocupações passaram a orientarem-se mais para a política e para cumprimento do meu grande e único desígnio que era ver acabado o sufocante regime fascista, nunca mais voltei a entrar num campo de futebol. No entanto a minha simpatia pelo Sporting passiva e distante, é certo, nunca me abandonou.

Aqui há anos, durante o longo jejum do Sporting como vencedor de campeonatos, estava num café próximo da minha residência, aqui em Almada, lendo tranquilamente, como é meu hábito. Um grupo de pessoas numa mesa próximo da minha discutia acaloradamente os jogos e os resultados da última jornada do campeonato. Um dos intervenientes apercebendo-se do meu mutismo e indiferença pelos magnos problemas que tanto os empolgava, interpela-me:
- Então e você? Não diz nada?. Qual é o seu Clube?
- Bom, não ligo muito a isso, mas em garoto era do Sporting e ainda hoje me entristeço quando o Sporting perde.
Aí o indivíduo teve uma saída genial:
- Ò homem, nesse caso você ainda se arrisca a morrer de melancolia.
Foi uma gargalhada geral e a minha não foi a menos ruidosa. Foi uma graça muito oportuna, de facto, e o humor não é coisa que se desperdice.

Nos últimos anos voltei a prestar um pouco mais de atenção ao futebol, mas são sempre, e só, os jogos do Sporting e os da selecção que despertam o meu entusiasmo. E porquê este súbito e renovado apego? Ora, porque o meu neto, de dezasseis anos é um entusiástico adepto deste clube. A história volta assim ao princípio. Primeiro o irmão mais velho e agora o neto mais novo (e único). Tenho porém o cuidado de o avisar: Olha, João é bom que tu vibres com o desporto (como praticante ele está mais virado para o bodyboard) e com as proezas do clube de que gostas, mas não dês importância demasiada a essa estória.do futebol. Há muito obscuros interesses, (que não os nossos, obviamente) à volta de toda essa engrenagem,
Felizmente ele sabe isso. Fico bem mais descansado.


A razão porque me lembrei de falar hoje de futebol
foi um artigo de José Manuel Barroso, no DN de 31-1-2006
intitulado “Meu querido Futebol.”
Fala das manigâncias e trapaças
que estão por detrás da orgânica dos clubes
e que explica a ascensão e domínio dos clubes do norte,
a partir de determinada altura.
Vale a pena ler, apesar de geralmente
não apreciar muito os escritos deste jornalista.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Do que tu te foste lembrar! do ferrabraz do Zé-carapau e da Silvina Peixeira!!

08 fevereiro, 2006 17:39  

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