ESCRITOS OUTONAIS

4.29.2007

AMOR QUE NÃO MORRE

Só por curiosdade ponho aqui estes versos.
São dirigidos à Dama do poema anterior,
que, um ano depois, teve de ir viver para o estrangeiro,
onde viria, julgo, a falecer.
tudo aqui é exagerado, hiperbólico, sem a perfeição do soneto,
reflexo do meu desnorte e de algum deslumbramento, por essa época

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AMOR QUE NÃO MORRE


P’ra longe vos levar

Quis o destino.

E agora erro

sem tino,

Qual barca em alto mar...

Mas não morreu em mim

Senhora, o amor jurado

Que inteiro em mim perdura.

Com raiva e com paixão

Ainda é com loucura

Que só a si procura

Meu pobre coração.

Ainda é só por si

Que a minha alma louca

Canta, chora e ri

E acha a vida pouca

Pra me lembrar de quantos

Inefáveis encantos

Colhi na sua boca.

Ainda é só por si

E só por si será

Que enquanto mundo houver,

E esteja onde estiver,

Meu peito baterá ....

E baterá ainda

Além da sepultura

Porque paixão tão pura

Jamais pode acabar.

Hão de volver os tempos

Mudar-se os firmamentos

E as gerações passar!

meu amor intenso

Qu abarca o tempo imenso

No mundo há-de ficar,

Porque este sentir profundo

De tão profunda raiz

É feito do mesmo amor

Com que Tasso amou Leonor

E Dante amou Beatriz

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Se gostou do meu conto, o FALMEGAS,

pode ouvi-lo na voz de Luís Gaspar

AQUI

4.23.2007

PERDOAI-ME, SENHORA


A seguir à Teresinha e antes da Maria
(esta sim o primeiro namoro a sério)
passei por uma fase de amor grandiloquente
- essencialmente literário, diga-se-
infuenciado que estava pela leitura dos grandes
românticos e clássicos da literatura universal

Eis um exemplo:
Um soneto dedicado a uma dama
algo menos jovem do que eu
- fase clássica dos iniciáticos amores juvenis .

PERDOAI-ME, SENHORA


Perdoai-me, Senhora, esta loucura
Esta chama, este ardor que em mim mora
E escutai a voz que, súplice, implora
A luz de um vosso olhar, tão terna e pura

Só por vós palpita e a vós procura
Um pobre coração que, muito embora
Duro e frio pareça ser, por fora,
No fundo é só amor, só é ternura

Não vos direi meu nome! Ai, não!...
Pois que ele, para minha desventura,
P’ra vós não tem valor, é frio e vão

Quero que saibais só que,com loucura,
Há no mundo um terno coração

Que só por vós palpita e a vós procura

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Veja também
"OS CRAVOS DE ABRIL"
no meu outro
blogue


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Foto baixada do Google
Portrait of a women
Uffizi - 1512


4.16.2007

O FALMEGAS

Foi mesmo à porta do prédio onde moro, aqui em Almada, que o encontrei. O homem, alto, corpulento, andrajoso, barba esquálida e longa cabeleira de um branco sujo, debruçava-se sobre o recipiente do lixo de onde retirava restos de comida que levava directamente à boca, com os dedos, longos, nodosos e encardidos. Sobejos das festas de Natal, por certo, dos moradores dos prédios vizinhos.

Aproximei-me para ali depositar o saquito de lixo que levava. O homem olhou-me com olhos coscorantes, enviesados, e rosnou-me como um cão a quem se aproximasse para lhe tirar o bocado que deglutia. Não foi a primeira vez que vi gente a comer do caixote do lixo, mas este homem provocou-me uma reacção estranha. Recuei algo assustado, com uma sensação de algo déjà vu inexplicável e eis que um rápido flashback da minha memória me fez recuar cerca de setenta anos, até aos remotos tempos da minha infância em que uma figura assim povoava de medos e tecia fantasias acerca de uma figura como esta. Era o Falmegas.

De entre as estranhas personagens com que tenho deparado ao longo da minha vida, uma das mais insidiosas, mais enigmática e que mais retenho na memória e na retina, é a de um vagabundo que de tempos a tempos surgia em Maçores – a minha aldeia natal – nos meus tempos de criança.

Andaria eu por volta dos meus cinco anos, quando o vi pela última vez, mas a sua figura, o mistério que o rodeava e o fim trágico da sua vida não mais se me varreram da memória, como aliás acontece com tudo o que se refere aos anos que vivi na minha aldeia, de onde saí há tantos anos, tantos... que, embora mensuráveis na sua contagem aritmética, não há medida afectiva que os possa avaliar.

O Falmegas!

Quando o seu vulto surgia no cimo do anfiteatro da serra - o Monte Ladeiro – ao fundo de cujas encostas acachapadas negrejava o aglomerada de casas xistosas que constituíam a aldeia e o conjunto de casebres que formavam os palheiros, logo os “raparigos” corriam a esconder-se no recôndito das suas casas, para de seguida o vir espreitar de costas, atirando-lhe pedras e açulando-lhe cães, após a sua passagem, rua abaixo, até ao “lagar do meio”, junto à “Pracinha”, mesmo em frente da casa onde morávamos. Ali se amodorrava junto ao fogo, sentado num tronco, rilhando uma das côdeas duras que tirava do bornal, silencioso, cabisbaixo e, não raras vezes catando piolhos, gordos ganaus que atirava para o lume, onde estralejavam como castanhas a estoirar na brasa.

De dia, ainda eu me aventurava a segui-lo, de longe, no meio da outra garotada, associando-me ao coro de vaias e arremesso de pedras. À noite, porém, tapava a cabeça com os cobertores para fugir à visão da sua temível figura que teimava em se insinuar, ameaçadora, no negrume do pequeno quartinho em que dormia. Aliás, a simples evocação do seu nome era remédio santo que a minha mãe utilizava para me obrigar a comer as pobres migas de centeio, ou a ficar quietinho no meu canto, quando ela precisava de sossego para fazer as nunca terminadas lides da casa.

Forte, espadaúdo, alto, de uma altura que a nossa pequenez fazia avolumar, cabeleira branca e hirsuta esvoaçando ao vento, barba grisalha descendo sobre o peito largo, empunhando um nodoso e monumental cassete que atirava aos cães e aos garotos que, por trás e de longe o apupavam, e soltando impropérios e ameaças de gelar o sangue, toda a sua figura lembrava às vezes um profeta bíblico e outras um temível foragido das galés.

Calcorreando as serranias transmontanas, o Falmegas era visto hoje numa aldeia, no dia seguinte noutra a léguas de distância, grimpando um cabeço, descendo a curva de um vale, atravessando pinhais, cortando por soutos, atalhando por vinhas e courelas, dormindo em palheiros e desaparecendo tão repentinamente como surgia.

Ninguém lhe conhecia o poiso, a origem. a família, ou qualquer outro nome, que não fosse “Falmegas” - alcunha de que ninguém sabia o significado ou origem.

A seu respeito corriam as mais desencontradas versões: herdeiro de fabulosa fortuna a quem os irmãos, aproveitando-se da sua congénita loucura haviam escorraçado, diziam uns; virtuoso pároco de aldeia a quem o diabo tentara na lasciva figura de uma das suas confessadas, que o levara a esquecer os votos religiosos e mais tarde o trocara por um tenente da guarda, opinavam outros; moço de lavoura que ousara erguer os olhos para a filha dos seus amos, os quais além de lha negarem o tinham mandado zurzir, deixando-o como morto e para sempre perdido da razão, juravam outros ainda; brasileiro de torna viagem que, voltando à terra podre de rico, encontrara a mulher amasiada com o seu melhor amigo, matando um e outro e abalando tresloucado, não se sabendo o paradeiro da enorme fortuna amealhada no seu longínquo mourejar, teimavam alguns.

Conjecturas apenas.

De concreto, ninguém sabia nada, além da troça ou medo, conforme as ocasiões, que o pobre inspirava nos mais longínquos povoados onde a sua presença se fazia notar de tempos a tempos, como que obedecendo a um calendário cíclico que a sua cabeça doente engendrava e misteriosamente geria.

A última vez que o vi remonta, pelo menos, ao distante ano de 1934, pois foi nessa altura que os meus pais deixaram a aldeia, em demanda de condições de vida que ali não lhe eram então propiciadas.

Ele, no entanto, continuou na sua enigmática peregrinação por vales e serras, cujo périplo nunca ninguém desvendou e que de tempos a tempos incluía Maçores no seu percurso, até que nunca mais voltou a ser visto por aquelas paragens.

Há quem diga que apareceu enforcado no ramo de um pinheiro bravo, lá mais para o norte, no meio de um descampado, já meio comido por aves de rapina.

Há quem afirme, pelo contrário, que foi encontrado num poço velho abandonado, na várzea da Vilariça.

Numa coisa parecem estar todos de acordo. Por baixo das surradas e esfarrapadas vestes de mendigo andarilho, ter-lhe-á sido encontrado, pendente do pescoço negro da sujidade de anos e de sóis escaldantes, um grosso e valioso cordão de ouro, com um finíssimo medalhão de esmalte, onde figurava o retrato de uma jovem senhora, linda... linda de morrer...

E tanto... que, por ela, matou e morreu o Falmegas.

Se gostou deste conto, o FALMEGAS,
pode ouvi-lo na voz de Luís Gaspar
AQUI

NOTA: O final desta história é uma total invenção da minha parte. A única verdade é eu ter visto à minha porta um mendigo a comer do contentor do lixo e que, nos meus tempos de menino, aparecia frequentemente em Maçores um mendigo errante, a quem chamavam Falmegas, que ia, de facto aquecer-se no Lagar do Meio, quase em frente da casa onde eu morava, e de quem os garotos tinham medo que se pelavam e que um dia deixou de aparecer para sempre naquelas aldeias, sem que nunca mais dele se ouvisse falar


Foto baixada do google, data venia

4.10.2007

VIDA MINHA


E de novo um soneto rebuscado do fundo do meu baú

VIDA MINHA

Como é que eu consegui viver outrora

Sem te conhecer, Maria, sem te amar,

Se hoje meu coração como que implora

A dita de te ver, de te encontrar!...


Sem o teu amor que me devora,

Viver não posso já, ou respirar;

Necessito dele a toda a hora

Como de água o peixe p’ra nadar!


Quando sinto no meu, teu olhar quente

E quando em minhas mãos, suavemente,

Repousa a tua mão de feiticeira,


Sinto nascer em mim desejo ardente

De prender-te em meus braços ternamente

Num abraço que durasse a vida inteir
a


1950


4.02.2007

SONHO ANTIGO

E depois da saga dos "Gatos" volto ao meu baú de recordações sacar mais um soneto

Depois da Teresinha, que foi um devaneio impossível, chegou a vez da minha primeira namorada, a sério - o que, naquele tempo, equivalia a um compromisso de noivado (talvez ainda mais firme) dos tempos que correm.

A eleita, a quem o apaixonado, depois de um longo cerco, de trocas de olhares de carneiro mal morto, de tímidos galanteios em fortuitos encontros ou em simples cruzamentos de rua, quando já tinha o coração amolecido e disposta a aceitar o namoro, para que o mesmo se pudesse concretizar, falava em primeirolugar com a mãe.

Posteriormente, procurava criar uma situação em que, juntamente com a progenitora, se cruzasse com o rapaz na rua ( o mercado, lá em Moscavide, era o sítio mais apropriado) muito ruborizada e o coração a bater descompassado (tanto como o dele) lhe pespegava um pequeno beliscão no braço, ou uma cotovelada, como que a dizer-lhe é aquele, é aquele, limitando-se os dois apaixonados a trocar um sorriso e uma muda inclinação de cabeça, ficando o rapaz certo de que, cada vez que voltasse a cruzar-se com a eventual futura sogra, ia ser objecto de uma, nada discreta e muito incomodativa, mirada geral, dos pés à cabeça.

Entretanto, já ela (a mãe) se tinha posto em campo para, por portas e travessas, colher informações acerca do rapaz: se de boas famílias, se empregado, se de vencimento razoável, se com bens ao luar (esse é que constituía o melhor certificado de garantia) se bem comportado, se saudável etc., etc.

Passava, depois (a mãe) a preparar o espírito do marido de que havia um rapaz, assim e assado (mas que ficasse tranquilo que ela já tinha investigado de que era pessoa aceitável), que pretendia namorar a filha e tal e tal e tal. E só depois disso, quando o pai se convencia (quase sempre contrariado) a escutar o rapaz, é que se marcava um
a data para ele ir lá a casa pedir autorização para namorar e jurar a pés juntos a seriedade das suas intenções.

Começava então o namoro, à janela, com dias e horas marcadas. Imaginem o azar daqueles que a janela da rapariga ficasse num terceiro andar (esta era, então, a altura máxima dos prédios mais altos da localidade. Tive muitas vezes ocasião de ver o rapaz postado,
não debaixo da janela da sua Julieta, pois a altura da mesma não permitia a qualquer ser humano permanecer muito tempo de cabeça pendida para trás, olhos torcidos e nariz no ar- a menos que de um contorcionista se tratasse - sem risco de grave torcicolo ou irreparavel delocamento da retina. Era, pois no passeio do lado oposto da rua que o apaixonado Romeu se especava tornando, pelo tom de voz a que a distância obrigava, desfrutáveis pela vizinhança inteira os respectivos arroubos de paixão, ou os obrigava a longos, prosaicos e desencorajadores silêncios.

Nesse aspecto, a sorte esteve do meu lado, uma vez que a janela do namoro me ficava à altura exacta do peito, numa rua sem saída, mal iluminada e, por isso mesmo, muito pouco frequentada, sobretudo de noite. É certo que havia uma lâmpada, mas situava-se um pouco distante, na esquina do outro lado da rua, mas essa aparecia partida com bastante frequência, o que constituía um grande aborrecimento para mim, como devem calcular.

Oh, doces tempos! Oh, saudosa janela! Passei lá recentemente. já não existe. Nem sequer a moradia de um só piso, substituída agora por um prédio de vários andares. Só após varias semanas desta modalidade de namoro é que chegava, às vezes, a permissão de namorar dentro de casa. Se pensam que isso era uma vantagem, uma espécie de promoção, desenganem-se. Na verdade era um suplício insuportável. Ali estava a famelga toda reunida e o parzinho muito enleado, um em frente do outro, a debitar umas palavras de circunstância, a falar do tempo, numa conversa de chacha em que, por vezes qualquer dos outros, parceiros metia o colherão.
Só vos digo que era uma estopada das antigas. Mas que se havia de fazer? Estas eram as regras comummente aceites. E a verdade, não vale a pena escamoteá-la, é que, por essa altura, eu estava bem longe de possuir o espirito crítico que mais tarde vim a adquirir e a minha escrita demonstra.

O que vale é que os costumes, felizmente evoluíram muito rapidamente, e nunca mais voltei a ter outro namoro sujeito a tal regimento.

De qualquer modo, este foi o namoro que me marcou. Claro, foi o primeiro. Além do mais, ela era linda de morrer. E eu estava completamente deslumbrado


SONHO ANTIG0

(à Maria I…)


Foi por ti que esperei, fada encantada

Que em sonhos de criança idealizei;

Foi a ti que em meus versos arrulhei

Requebros tristes de alma apaixonada-


Foi para ti só que eu conservei

Toda a força de amar em mim guardada;

A ti pertence, pois, idolatrada

Realização dos sonhos que sonhei


Deixa-me olhar teus olhos de encantar,

Aconchegar-te ao peito e escutar

A música dos teus lábios divinais,


E deixa que em mil beijos se traduza

Esta paixão ardente, linda musa,

Que em meu peito não pode caber mais!


1950

Imagem baixada do Google,
data ven
ia